O espírito de Bom Despacho

Em 20 de maio de 1927, o norte-americano Charles Lindbergh iniciava a grande aventura de cruzar sobre o Atlântico de Nova York a Paris, pela primeira vez, num voo solo e sem escalas. Ele percorreu 5.800 km em cerca de 33 horas, num monomotor especialmente adaptado para a travessia. Ao avião, Lindbergh deu o nome de “O Espírito de St. Louis”, numa homenagem a sua cidade de adoção – St. Louis, Missouri, às margens do rio Mississipi. O feito foi manchete em todo mundo e deu a Lindbergh enorme fama. O avião é exibido na entrada do museu smithsoniano da aviação em Washington e seu nome evoca, ainda hoje, iniciativas impregnadas pelo espírito aventureiro, empreendedor e capaz de superar obstáculos sem qualquer hesitação.

Esse mesmo espírito de realização inovadora costuma brotar aqui e ali, sob a liderança de uma pessoa ou um pequeno grupo. Quando tal acontece, é sempre a propósito de vencer um desafio, alcançar uma marca, deixar um legado. O “espírito” é sempre a inspiração de ir mais longe, de surpreender pela criação, pela descoberta, pela inovação. Esse, portanto, também é o “espírito de Bom Despacho”, cidade mineira de razoável destaque no arquipélago urbano de Minas Gerais. Sob a liderança de um ousado prefeito, Dr. Bertolino, e sua competente equipe, Bom Despacho tem procurado encontrar seu próprio oceano atlântico para cruzar, como na aventura de Charles Lindbergh.

O figurativo sobrevoo intercontinental de Bom Despacho tem conotação com a possível transformação de sua realidade como típica e pacata cidade do interior. Tudo em Bom Despacho convida à permanência: permanecer aprazível como é, acolhedora, e relativamente pequena, embora já classificada como “centro sub-regional” no levantamento nacional de Regiões de Influência das Cidades brasileiras (REGICs 2020) do IBGE. Mas o “espírito de Bom Despacho” é inquieto, talvez herança desbravadora dos bandeirantes e mateiros que a fundaram ainda no século 18. É nesse espírito de renovada descoberta que Bom Despacho agora mira seu futuro. Olhando em volta, Bom Despacho desperta para o que ainda não aconteceu, mas é pura possibilidade. Escreve suas Diretrizes para o desenvolvimento do povo e da cidade nos próximos dez e vinte anos. Vai buscar quem pode ser o motor dessa longa travessia. Pesquisa em sua história recente e ressuscita antigo sonho de um profeta da expansão agrícola no Cerrado brasileiro, na pessoa extraordinária de Alysson Paolinelli que, há quase meio século, já projetava as imensas possibilidades da agricultura irrigada naquela fértil região bom-despachense, por engenhosa derivação das generosas águas do Velho Chico. Por esses dias, o sonho de Paolinelli começa a alçar voo. Nosso candidato mineiro ao prêmio Nobel da Paz, está neste dia em Bom Despacho para lançar a pedra fundamental do projeto.

Mas o espírito de Bom Despacho não fica só na impulsão de suas vocações econômicas. No plano institucional, a cidade também inova e ousa. O prefeito municipal encampou um projeto de lei que ancora o princípio constitucional da Eficiência (art. 37 caput da CF) como esteio de toda a gestão estratégica e operacional de Bom Despacho. Trata-se de aprovar na Câmara Municipal, com absoluto ineditismo no Brasil, a primeira lei de eficiência na gestão municipal (LEGEM). São comandos e princípios legais que vão orientar Bom Despacho para um futuro de grande prosperidade, calcado num plano de desenvolvimento de longo prazo, de concepção participativa com o povo, com as lideranças locais e especialistas convidados.

Charles Lindbergh cruzou o grande oceano sozinho. Mas o Espírito de St. Louis não voava solitário. Aquele pequeno avião adaptado era fruto de um sonho coletivo e de muitas horas de transpiração e labor intenso. Ao invocar em sua saga o espírito futurista de autossuperação permanente, Bom Despacho manda um recado importante para as demais 5.569 cidades do País. Nosso futuro está nas cidades, nos locais onde os brasileiros vivem e realizam. Não está nos enigmáticos prédios ministeriais de Brasília. O espírito de Bom Despacho não está em garimpar verbas de gabinete, mas em conceber caminhos ainda não percorridos e ter a coragem de jamais desistir.

Artigo publicado originalmente no jornal ESTADO DE MINAS, em 28/08/2021.

(*) Paulo Rabello é economista, escritor e fundador do Atlântico – Instituto de Ação Cidadã. Também é ex-presidente do IBGE e do BNDES.

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