Impactos da desoneração da cesta básica em debate

Paulo Rabello de Castro, economista e fundador do ATLÂNTICO, participou da coletiva da Associação Brasileira de Supermercados — ABRAS, analisando os impactos da isenção de tributos sobre a cesta básica, em contraposição ao cashback (devolução de tributos aos mais pobres). As medidas estão sendo discutidas no projeto de Reforma Tributária, em tramitação no Senado. Também participaram do evento o presidente da ABRAS, João Galassi, e o economista Roberto Giannetti da Fonseca.

 

Veja a íntegra da coletiva: 

 

João Galassi confirmou o apoio da ABRAS à Reforma Tributária, embora a entidade considere a isenção de tributos da cesta básica mais eficiente para a distribuição de renda do que o cashback.

No relatório da Reforma Tributária, apresentado pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM), estão previstos a cesta básica nacional de alimentos e itens de higiene, com isenção de tributos, e a cesta básica ampliada, com redução de 60% na alíquota-padrão. Mesmo com esta redução, haverá aumento dos tributos em diversos itens. Por isto, o texto prevê o cashback para os itens da cesta básica ampliada.

Paulo Rabello começou sua análise, observando o perfil de renda da população brasileira, onde 74% pertencem aos segmentos de renda média baixa (renda per capita mensal média de R$ 1.643), renda baixa (R$ 1.091) e muito baixa (R$ 599).

 

Distribuição do número de famílias por classe de renda.

 

O peso da cesta básica varia muito entre as diversas faixas de renda. Os gastos com a cesta básica são muito mais relevantes entre os 74% da população dos segmentos de renda mais baixa e, certamente, nas regiões mais pobres, onde as verbas assistenciais nem chegam com regularidade e universalidade. Para a faixa de renda muito alta, o percentual dos gastos com a cesta básica é de quase 1%, ou seja, é proporcionalmente irrelevante.

Ao observar o valor total anual gasto com cesta básica, também vemos que os maiores volumes são das três faixas de renda mais baixa, em especial da classe média baixa. Os volumes de gastos das faixas de renda alta e muito alta são muito baixos (6% e 5%, respectivamente). “A discussão sobre taxar (a cesta básica) com alíquota cheia ou desonerar, e taxar com alíquota reduzida ou zero, é muito importante para as camadas mais pobres da população, e não para a classe média alta para frente”, afirmou Paulo Rabello.

 

Valor anual gasto com cesta básica por classe de renda

 

O economista destacou que o impacto da isenção de tributos sobre a cesta básica seria equivalente a uma distribuição de renda de “R$ 4,4 bilhões para os muito pobres, mais R$ 4,1 bilhões para os pobres, R$ 8,2 para a classe média baixa e R$ 4,3 bilhões para a classe média”. Portanto, a desoneração dos tributos da cesta básica é socialmente eficiente e dispensa medidas intervencionistas, como a elevação dos tributos e posterior devolução do valor arrecadado dos mais pobres.

 

Valor anual de impostos arrecadados com a cesta básica por classe de renda.

 

Paulo Rabello também demonstrou que o efeito da desoneração da cesta básica é a redução dos preços e o aumento do consumo, enquanto a incidência da tarifa cheia com cashback resultaria em aumento dos preços e redução do consumo total.

 

O erro de discriminar pessoas na tributação sobre o consumo

Roberto Giannetti ressaltou que a população espera que a Reforma Tributária promova a simplicidade e a neutralidade, isto é, que não resulte em nova elevação de impostos. Além disto, são esperadas a equalidade entre os entes federativos, a constitucionalidade e, principalmente, a progressividade. “A relação entre impostos sobre o consumo e impostos sobre a renda está absolutamente inadequada no Brasil para tributar mais a população mais rica e menos, a população mais pobre. Os impostos sobre a renda representam 25%, enquanto os impostos sobre o consumo representam 45%. Os tributos sobre o consumo atingem toda a população brasileira, por isto, os pobres pagam mais impostos proporcionalmente do que em países desenvolvidos. Os impostos sobre o consumo têm que ser cada vez menores e os impostos sobre a renda, cada vez maiores”, explicou. “Isto, sim, é uma reforma tributária progressiva. Tentar fazer política distributiva em cima de impostos sobre o consumo está fundamentalmente equivocada, porque os impostos de consumo não distinguem pessoas, mas distinguem produtos. Por isto, na essencialidade, os produtos têm que ter alíquotas diferentes. Produtos supérfluos têm que ter alíquota maior e produtos essenciais, como a cesta básica, tem que ter alíquota zero ou alíquotas bastante reduzidas. Portanto, a oneração com cashback foge completamente da lógica da diferenciação pela essencialidade do produto”, sentenciou o economista.

Giannetti destacou outros fatores em relação ao cashback que, em sua opinião, trazem grande risco à sua aplicação no Brasil. Primeiro, o cashback irá atender uma parcela da população pobre, mas não todos os pobres. As pessoas sem documentos ou conta bancária não estão no Cadastro Único, sendo que somam aproximadamente 10 milhões de pessoas. Além disto, as pessoas que estão logo acima da linha de corte — a população de renda baixa, renda média baixa e renda média (64% do total) — também não seriam beneficiadas e sofreriam impactos em sua alimentação. “Estamos tratando de um ponto extremamente sensível na vida dos brasileiros. Isto não é brincadeira! Falar que o cashback irá resolver a distribuição de renda no Brasil está fundamentalmente equivocado”, afirmou.

Outro problema é o custo de gestão deste programa, com eventuais fraudes e desvios. Será o custo de “distribuir o que não deveria ser arrecadado”.

“A nossa oposição ao cashback está na proposta clássica, que é onerar e elevar os preços de todos os produtos de alimentação e de higiene de 7% ou 12% para 25% ou mais e aí ressarcir uma parte da população monetariamente. Estamos propondo justamente o caminho oposto, que é arrecadar um pouco menos, porque esta é uma tributação pouco relevante no conjunto da tributação brasileira e o ganho proporcionado pela boa alimentação e higiene adequada são muito mais relevantes do que manter uma arrecadação da ordem de 26 bilhões”, frisou Paulo Rabello de Castro.

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