A pandemia e os políticos

Por Paulo Rabello de Castro*

Quem estuda um pouco de História sabe que grandes tragédias sempre produzem enormes transformações. Assim acontecerá – e já acontece – com o impacto brutal da pandemia da COVID 19 sobre nossas estruturas familiares, empresariais e, sobretudo, políticas. Cada um de nós precisa estar atento a esse “ponto de virada”. Há um claro esgotamento das fórmulas velhas de se gerenciar o País, que ficou maior do que a capacidade de suas tradicionais instituições e, como coletivo social, muito maior do que suas lideranças políticas. Quem não se renovar, e procurar inovar na sua maneira de agir, será tragado na poeira dos fortes ventos de transformação política e social.

O governo federal também precisa mudar: sua maneira de planejar é ineficaz; seu modo de comandar é impreciso e confuso; seu jeito de se comunicar, trágico. A Federação brasileira foi igualmente convocada a mudar pelo “General Coronavírus”. Governadores e prefeitos nunca tiveram uma responsabilidade tão direta e evidente sobre o destino e a vida das pessoas sob seu comando.

Todos esses gestores estão sendo testados no limite de suas capacidades. E as gritantes diferenças de talento, preparo e integridade ficaram escancaradas para o povo. Alguns – estimo que a minoria – aproveitaram o COVID para faturar mais um roubo nos gastos com a pandemia. Outros, na ponta da inovação, cortaram na carne, reduzindo seus próprios salários e de seus secretários. O povo irá lembrar de cada um desses gestos. Mais relevante está sendo o desafio de gerir a reabertura da economia local, que caiu no colo dos prefeitos e governadores, agora com sérias responsabilidades de medir riscos e consequências de cada decisão tomada. A Federação brasileira acordou com a pandemia!

A constatação de maioridade política e capacidade gerencial de governadores e prefeitos deveria acelerar as tratativas no sentido de se aprovar um novo pacto federativo, em nível constitucional. O País está amarrado e empacado pela intromissão de Brasília nos negócios da Federação. A recente aprovação, pelo Congresso Nacional, de uma lei para a gestão local do saneamento básico (água e esgotos) representa um marco na ruptura do modelo velho de governar, aquele que mantém a Federação aprisionada em regras rígidas e insensíveis às condições estaduais e locais. Outro será quando o Congresso vier a reforçar a arrecadação de Estados e Municípios numa reforma tributária para valer.

De todas as inovações possíveis, que poderiam ajudar a engatar o trem da retomada da economia, nada se compara à proposta de uma repactuação integral das dívidas dos Estados e Municípios, atribuindo-se a todos esses entes a possibilidade de liquidar seus débitos por antecipação junto ao Tesouro Nacional, com deságios da ordem de 30%, mediante colocação de novos títulos no mercado nacional e externo, aproveitando as baixíssimas taxas de juros vigentes. Há uma proposta, modificando o texto da PEC 187, que estabelece a maneira de se fazer isso, inclusive com um fundo garantidor acessório para maior segurança dos investidores. Tal modalidade de dívida federativa, cercada dos cuidados devidos e da prévia votação de Leis de Eficiência na Gestão dos Entes (LEGE), seria a grande transformação que se abre como perspectiva econômica e política para o País, num momento de impasse e escuridão. Pouca gente sabe que a maioria dos Estados, ressalvados os maiores e muito endividados (SP, RJ, MG e RS), hoje têm dívidas públicas apenas moderadas. Se houvesse um novo desenho financeiro, a Federação poderia se livrar do jogo e do jugo de Brasília, com cada governador e prefeito indo tratar de desenvolver seus territórios e promover a criação de milhões de empregos.

A mágica (que mágica não é) está na mudança financeira a ser trazida por uma nova classe de títulos de emissão estadual e municipal, que podemos denominar de Obrigações Corona ou “Corona Bonds”, como são chamados hoje na Comunidade Europeia, onde também estão sendo estudados. O vírus, apesar de terrível, nos abre a cabeça para fazer diferente. O Brasil pré-Corona acabou. Precisamos de inovar radicalmente, sob pena de virmos a confirmar a mais recente previsão do FMI, que nos coloca na rabeira absoluta do desempenho mundial. O Brasil é muito melhor do que sua caricatura atual.

(*) Paulo Rabello é economista e escritor. A proposta dos Corona Bonds foi encaminhada ao Congresso Nacional ainda em março deste ano

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