O País Murchou

O País Murchou

Publicado originalmente no jornal Estado de Minas, em 01/07/2023.

Paulo Rabello de Castro

Um retrato é sempre uma surpresa. Fitar o próprio retrato é um desafio para a autoconsciência. Foi o que aconteceu agora, com a esperada divulgação dos primeiros resultados do Censo Demográfico de 2022, de longe o maior esforço sistemático de coleta de dados sobre nosso País e o estado de sua população. A constatação numérica chocou o próprio IBGE, responsável pela coleta nacional, que chegou a bater na porta de mais de 100 milhões de endereços, percorrendo o vasto território brasileiro desde agosto do ano passado.

O País que agora se apresenta aos brasileiros claramente murchou. Lembra aqueles cachos de uvas ainda expostos ao sol depois de maduros, que começam a desidratar e encolher. Se a colheita atrasar mais, apodrecerão no pé. O IBGE enfrentou sérias dificuldades para realizar este Censo, cuja partida em 2020 (a data correta seria num ano zero) fora adiada pela pandemia e, em seguida, agravada pelo inconcebível descaso da gestão Bolsonaro/Guedes em relação às verbas essenciais à realização confiável de um levantamento de tal magnitude. O Censo da população, a cada dez anos, é o retrato do País. Mirar nosso próprio retrato e avaliar como estamos é tão vital quanto fazer exames de laboratório a intervalos razoáveis. “Como estamos, então, doutor?”

A resposta do Censo 2022 é dramática para uma nação que ainda acalenta o sonho do desenvolvimento acelerado. Os 203,1 milhões de habitantes que aparecem na fotografia do Brasil chocaram até o IBGE que, meses antes, havia projetado – por conta da demora de concluir o recenseamento – um número populacional da ordem de 207 milhões. Ficamos em 203 milhões. A curva da população envergou, “a espinha quebrou”, denotando um fraquíssimo crescimento de 0,52% ao ano desde o Censo anterior (2010) quando a população do País ainda crescia no ritmo de 1,2% ao ano. A velocidade de crescimento desabou a menos da metade. Menos crianças por casal, menos jovens – enterrados por mortes violentas, menos adultos e idosos – tolhidos pela COVID-19, menos força de trabalho produtiva e riqueza financeira – pelos que decidiram fazer suas malas para tentar a sorte noutro país. Quase nenhum novo imigrante, já que o Brasil se tornou uma oportunidade frustrada até para sofridos venezuelanos e haitianos que por aqui aportam. Tudo somado, entre pandemias e endemias, governos péssimos e mortes nas ruas e becos, nosso retrato continuou surpreendendo para pior. Considero que o fenômeno catastrófico de uma década inteira de estancamento da economia, de Dilma Rousseff para cá, tenha sido fator decisivo para a decisão de milhões de casais e progenitores singulares, de simplesmente abandonar a ideia do próximo filho. Aconteceu uma conjunção infernal: a forte elevação do custo de educar e cuidar de uma criança, de um lado, enquanto, por outro lado, minguavam as oportunidades para os pais dessa criança. A decisão coerente, embora difícil, dos pais tem sido a de evitar mais filhos. Está assim contratada a falência inevitável da previdência social em poucos anos.

Os lares se esvaziam. Mais de 40% dos municípios – entre capitais e interior – perderam população. De uma média nacional de 3,3 residentes por habitação no Censo de 2010, o número caiu abaixo de três (agora são 2,8 habitantes por residência) embora o número total de domicílios tenha dado um salto, de 67,5 para 91 milhões entre Censos, com aumento expressivo de residências sem ocupação ou de uso apenas ocasional. O País vai se esvaindo enquanto o tempo escorre. Lentamente vamos nos “perdendo”, enredados em conflitos inúteis e perplexidades paralisantes. Por ser um processo gradativo e suave, o perdimento não é percebido no dia-a-dia da nossa contínua ausência de dinamismo vital.

Graves consequências nos aguardam. O baixo crescimento e as políticas permanentes de incentivo ao não-trabalho, a punição diária a quem quer produzir e empregar, a reforma tributária falsa que não ataca a questão dos encargos excessivos sobre os empregados formais, o alto custo de vida e a proposta atual de taxação hedionda sobre produtos essenciais – medicamentos, alimentos, transportes e habitação, tudo somado cria um caldo pastoso de estagnação impossível de ser vencido por mais empreendedorismo, inovação, solidariedade ou esforço educacional.

A resposta dos “ventres amargurados” do Brasil é silenciosa, mas severa. É a resposta das mães do futuro, que não mais serão. É o prematuro ocaso populacional de um país ainda despovoado (varia de 4 a 92 habitantes por km² nas cinco regiões) onde praticamente tudo está por fazer. É enorme o débito moral das lamentáveis elites dirigentes, encasteladas numa Brasília que decide consultando o próprio umbigo e respira os odores dos seus altos salários e remunerações secretas, enquanto o País real patina entre a taxa de juros mais alta do mundo e os mais elevados impostos contra o consumo e a produção que, por sinal, serão agravados, se votada a proposta oficial da desdita reforma tributária.

Definitivamente, desse jeito não pode dar certo.

 

Paulo Rabello de Castro, formado em Economia e Direito, Ph.D pela Universidade de Chicago, ex-Presidente do BNDES e do IBGE, fundador e sócio da RC Consultores. ​Foi Presidente do Instituto Atlântico e fundador da OSCIP Instituto Maria Stella. Fundou o Movimento Brasil Eficiente que propõe uma simplificação da carga tributária e mais eficiência dos gastos públicos. É autor de mais de 10 livros, entre os quais O Mito do Governo Grátis, Rebeldia e Sonho e Lanterna na Proa. 

 

 

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