Da desnecessária criação do brutamonte Conselho Federativo do IBS

Da desnecessária criação do brutamonte Conselho Federativo do IBS 

Miguel Silva

A Reforma Tributária apresentada ao Congresso Nacional para tramitação e aprovação, por meio do Substitutivo à PEC 45/2019, propõe tributar o consumo por meio do IVA DUAL, ou seja, um tributo federal, assim, reservado à União e um tributo subnacional, portanto, em favor dos Estados, Distrito Federal e Municípios. O tributo federal seria denominado CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), o qual eliminaria o IPI, o PIS-PASEP e a COFINS. Já o tributo subnacional seria designado IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), este substituiria o ICMS e o ISS.

Foquemos no IBS, mais especificamente no polêmico Conselho Federativo do IBS, ressaltando que o teor da proposta do tributo federal CBS nada mais é do que uma ressurreição, entenda uma versão requentada do Projeto de Lei nº 3887 apresentado ao Congresso em 2020, agora com áurea constitucional.

Pois Bem!

O IBS dos entes subnacionais seria instituído por lei complementar, e a administração do IBS seria, no modelo do Substitutivo da PEC 45/2019, por meio de novo órgão público intitulado Conselho Federativo, este órgão também criado e regido por lei complementar.

Pelo texto proposto pelo Substitutivo para o art. 156-B da Carta Magna, referido Conselho Federativo teria hiperpoderes, na medida da entrega a ele de quatro grandes prerrogativas. São eles:

  1. competência para regulamentar o IBS para todo o país, por meio de normas infralegais;
  2. uniformizar interpretações do IBS de caráter vinculante;
  3. arrecadar o IBS, compensar e partilhar o IBS; e
  4. dirimir questões no contencioso administrativo do IBS.

Haja poder para um virginal, poderoso e prodigioso órgão em prejuízo de outros consagrados e já onerosos entes normatizadores ou jurisdicionais administrativos como o CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária) e o TIT (Tribunal de Impostos e Taxas) de São Paulo e os correlatos existentes nas demais unidades federadas, inclusive os correspondentes que atendem os litígios nos munícipios

Notem que atualmente, todas as quatro atribuições relatadas anteriormente são dos entes subnacionais, os quais ficarão com as suas atuais estruturas ociosas, tendo em vista o esvaziamento das funções que serão transferidas para o Conselhão para elaborar a legislação administrativa e regulamentadora do IBS, responder consultas tributárias, arrecadar e distribuir o tributo, bem como julgar processos administrativos do IBS.

Prevê o Substitutivo que o novo Conselho terá participação conjunta de todos os Estados, do DF e de TODOS os municípios, o que leva a presumir a sua dispendiosa e difícil operacionalidade. Na prática, as deliberações do Conselho dependerão de acordo entre todos os entes subnacionais, em especial entre os Estados e havendo divergências, e certamente ocorrerão, os entes menos influentes (tais como os municípios menores) não terão voz ativa.

Reza o Substitutivo, na tentativa de conferir pseudo “poder” aos entes subnacionais, que cada ente federativo fixará sua alíquota própria no destino. Ocorre que, o Substitutivo também atribui ao Senado Federal definir a alíquota de referência (a alíquota padrão) para cada esfera federativa.

Veja que a excessiva concentração de poder deste Conselhão é estranha, e fere a boa governança.

Bem, mas não basta criticar, então, como solucionar? Caberia afastar a instituição do Conselhão em uma outra modelagem?

Sim, pois desnecessário citado Conselhão. As atribuições elencadas no Substitutivo podem continuar sendo perfeitamente desenvolvidas pelos entes subnacionais ou serem entregues a órgãos já existentes, sem ofensa ao pacto federativo, pelo contrário, prestigiar-se-ia este vitalício princípio constitucional.

Explicamos!

Vimos que são quatro prerrogativas reservadas ao Conselhão.

Ora, patentemente as atribuições para edição de normas infralegais e para a uniformização de interpretação da legislação do IBS, constantes nos incisos I e II do art. 156-B, podem e devem ser do CONFAZ. Obviamente com a inclusão da representação dos municípios mais relevantes no CONFAZ (pelo critério econômico ou populacional, ou um mix de ambos os critérios, escolhendo por exemplo, 50 municípios, não sendo recomendável muito diferente ou acima desta quantidade, do contrário as reuniões serão em estádio de futebol).

Quanto ao julgamento das questões do contencioso administrativo do IBS, de que trata o inciso IV do art. 156-B, ficaria com o TIT e correlatos já existentes para a posição final no âmbito jurisdicional administrativo. Lembremos que, quer decida-se pelo novo Conselhão ou pelo velho TIT e correlatos, a palavra final será, segundo a Constituição Federal, do judiciário, em respeito ao inafastável direito do contraditório e da ampla defesa, de que trata o art. 5º, inciso LV, da Carta Mãe.

Já as atribuições concernentes a arrecadação e distribuição do IBS, dispostas no inciso III do art. 156-B, podem ser concedidas a uma simples e eficiente câmara de compensação fiscal, a propósito, câmara essa sugerida e presente na PEC 110/2019, assim, basta resgatá-la de lá.

Para melhor assimilação da sociedade, citada câmara de compensação poderá ser, em norma regulamentadora subsequente, denominada ONDA – Operador Nacional de Distribuição de Arrecadação.

A câmara de compensação fiscal, valer-se-ia da estrutura do IBGE, ou seja, seria um setor deste conhecido órgão, sem necessidade de criação de nova e custosa entidade pública e lei complementar disporia as atividades da citada câmara de compensação fiscal, especialmente sobre:

a) entrega imediata e automatizada dos recursos de cada ente federativo competente, afastando-se qualquer risco dos recursos arrecados do IBS transitar pelo Tesouro Nacional ou de se sujeitar a qualquer retenção por ente superior;

b) mecanismo integrado de recolhimento, com documentos fiscais eletrônicos e guias unificadas, valendo-se do estágio avançado que se encontra a sistemática de Nota Fiscal Eletrônica, do SPED Fiscal e do sistema bancário brasileiro;

c) a forma pela qual será realizada a cobrança dos créditos indevidamente utilizados, incorporando as garantias e preferências inerentes às obrigações de natureza tributária, inclusive tipificando o ilícito e respectivas sanções;

d) a forma pela qual cada ente tributante será compensado em razão da absorção de crédito gerado na apuração de imposto de titularidade de outro ente, autorizada, para esta hipótese, a criação de compensação específica, com vinculação de parcela do produto da arrecadação do IBS.

Do exposto, com a atuação coordenada do CONFAZ e de uma câmara de compensação vinculada ao IBGE não haveria motivo para criar um brutamonte, com previsível letargia e, mais, potencialmente pernicioso, como o pretenso Conselho Federativo do Substitutivo da PEC 45/2019.

Para piorar, considerando que no Substitutivo a União terá competência para legislar sobre a CBS e amarra constitucionalmente as pernas do IBS, por meio do § 3º do art. 156-B, a lei complementar do IBS não poderia, a rigor, conter dispositivos diferentes da CBS (regras estabelecidas pela União).

Desse modo, a reforma delineada no Substitutivo se afasta concretamente de um IVA genuinamente dual, em prol do pacto federativo, tendo em vista que a União deterá a competência material para legislar sobre os elementos nucleares de incidência do CBS, e por via reflexa também do IBS, “retirando” a autonomia dos Estados e Municípios, em ofensa àquilo que se busca prestigiar, ou seja, o pacto federativo, note-se o cabal antagonismo.

E mais, considerando que o Conselho Federativo seguirá as interpretações da lei, em “harmonia” com a CBS da União (art. 156-B, §3º) para o IBS, esvazia-se até a atuação dos Estados e Municípios, nesse particular.

Por tudo isso, o texto não está pronto o suficiente para seguir à votação com responsabilidade que o tema exige, carecendo de substantivos ajustes, especialmente no que diz respeito à criação do novel e dispensável Conselho Federativo, trazendo em seu bojo potencial nocividade ao estado federativo e à governança republicana deste país, o que elevaria em muito o grau de contencioso tributário, com discussões longas e penosas nos tribunais superiores, aumentando o Custo Brasil, ao invés de reduzi-lo como se almeja com a tida Reforma Simplificadora.

Que o Congresso Nacional aja com sensatez e espírito simétrico à Mãe de todos e de tudo e não implante o Conselho Federativo, apoiando-se em uma alternativa jurídica mais sólida, eficiente e bem menos dispendiosa.

 

Existe uma solução melhor que o Conselho!

PROPOSTA DE EMENDA AO SUBSTITUTIVO DA PEC 45

(Instituição do ONDA)

“Art. 146 […]

V – dispor sobre o funcionamento da câmara de compensação de tributos federais, estaduais e municipais, e a apuração e recolhimento no âmbito do operador nacional de distribuição da arrecadação, especialmente sobre:

a) entrega imediata e automatizada dos recursos de cada ente federativo;

b) mecanismo integrado de recolhimento, com guias unificadas e documentos fiscais eletrônicos;

c) a forma pela qual será realizada a cobrança dos créditos indevidamente utilizados, incorporando as garantias e preferências inerentes às obrigações de natureza tributária, inclusive tipificando o ilícito e respectivas sanções;

d) a forma pela qual cada ente tributante será compensado em razão da absorção de crédito gerado na apuração de imposto ou contribuição de titularidade de outro ente, autorizada a criação de fundo ou câmara de compensação, com vinculação de parcela do produto da arrecadação de impostos e contribuições sociais ou retenção de transferências constitucionais;”

“Art. 156-A […]

XIII – será arrecadado e distribuído para o ente competente mediante a utilização de câmara de compensação, de que trata o art. 146, V.”

“Art. 195 […]

§18 – a contribuição a que se refere o inciso V será arrecadada mediante a utilização de câmara de compensação, de que trata o art. 146, V.”

 

 

Dr. Miguel Silva

Dr. Miguel Silva é advogado tributarista. Pós-Graduado em Direito Tributário pela Universidade Mackenzie. Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Mackenzie. Conselheiro Jurídico do Instituto Atlântico. Participou ativamente do processo de discussão técnica e tramitação da Reforma Tributária, inclusive com sugestões e elaboração de textos encaminhados ao Congresso Nacional. Coordenador técnico e coautor da obra “Prática Tributária nas Empresas” (2012), ed. Atlas. Coautor da obra “Aspectos Polêmicos do Imposto de Renda” (2014), Ed. LEX Magister. Autor do Guia IOB de Contabilidade — Atualizável, em 3 Volumes, lançado em 1992, com mais de 70 atualizações, sendo a última em 2001; LUCRE IOB — Atualizável, lançado em 1997, Sistema Eletrônico de apuração do IRPJ, da CSLL, do PIS/PASEP e da COFINS, e de Escrituração do LALUR, com versões anuais, reeditadas até 2001. Foi professor convidado em universidades, na FUNDACE/USP (Ribeirão Preto/SP) e FECAP/SP. Ministra seminários e palestras em todo o Brasil desde 1988 sobre direito tributário e direito empresarial. Em 2006, eleito “Homem do Ano”, na área jurídica, título esse recebido na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. “Contabilista Emérito” pelo Sindicato dos Contabilistas de São Paulo. Em 2015, eleito e empossado para ocupar a Cadeira da Academia Paulista de Contabilidade, órgão vinculado ao CRC/SP. Coordenador Técnico dos cursos da SABERPLAY Educação Profissional. Sócio-Diretor da Miguel Silva & Yamashita Advogados.

 

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O artigo acima não representa, necessariamente, a opinião do Atlântico.