O 15 de Outubro está chegando

Paulo Rabello

Os reservatórios supridores de vazão para geração hidrelétrica no Sudeste do País (sub-sistema SE/CO) estão rodando com cerca de 17% da sua capacidade nesses últimos dias de setembro. O déficit hídrico na região mais populosa do Brasil vem se agravando sem piedade por parte de São Pedro. O dia 15 de outubro contém certo simbolismo: é a data em que, por estimativa, devemos atingir uma disponibilidade restante de água em torno de 10% da capacidade somada dos reservatórios da região. Vários reservatórios da região já estão a zero ou menos que zero da capacidade. O suprimento de energia domiciliar, industrial e comercial pendulará sobre o abismo do apagão. As autoridades da área vêm perdendo controle dos acontecimentos à frente. O País foi arrastado a uma situação-limite por decisão consciente de quem não queria encarar, com a devida antecedência, os procedimentos e protocolos de ajuste preventivo da demanda nacional por energia.

Jamais fomos colhidos por uma surpresa do clima seco. A escassez de chuvas no verão passado já seria motivo para se haver decretado um estado de atenção. Mas a política do “Viva Nós!” não permitiu um tratamento criterioso do problema hídrico, não obstante os dados publicados diariamente pelo ONS – Operador Nacional do Sistema Elétrico, sobre o comportamento geral da demanda e do suprimento individual de cada modalidade de geração. Fatores atenuantes, como ventos favoráveis no Nordeste até o mês passado e a importação diária de cerca de 2.000 MW da Argentina, têm nos ajudado a contornar a queda de potência. Porém, há elementos que agravam o quadro dia após dia, sendo o principal deles o próprio consumo diário, em franca aceleração, por efeito de altas temperaturas fora de época, frente às cargas disponibilizadas.

Esse é o quadro de momento. A partir dos 10% de capacidade residual, cada usina deve estimar os riscos de passar lama pelas turbinas, comprometendo equipamentos de demorado conserto ou reposição. Mais uma vez, as autoridades brincam de tudo ou nada, num jogo mortal entre a esperança de chuvas mais volumosas neste quarto trimestre e a exaustão final dos reservatórios. Não é bem essa a definição que temos de “governo” nas nossas cabeças de cidadãos comuns. Do lado de cá, dos pagadores de impostos e entre os que arcam as consequências das decisões de Brasília, a impressão é de um voo cego. Permanecemos nesse voo por falta de alternativa. E muitos ainda curtem a viagem por feliz ignorância do que ocorre fora do estreito alcance do seu entendimento, sobre como operam os bastidores do poder central. Quem deveria decidir e executar está com a cabeça pregada nos cálculos eleitorais de uma improvável recondução ao cargo em 2022; quem os fiscaliza ou supervisiona, saiu para tomar café por ser muito incômodo soprar um apito de alerta em plena ilha da fantasia, perturbando o padrão combinado de “tolerâncias recíprocas” pelas falhas e irresponsabilidades de cada um no playground de Brasília.

As consequências do estresse hídrico são enormes. Farão recuar a produção potencial em 2022 (ou seja, PIB minguado) e empurrarão pesado ônus sobre os já sofridos orçamentos domésticos. A conta de energia, salgada e envenenada de impostos e taxas invisíveis, embandeirada de vermelho encarnado, vai consumir mais um naco do poder de compra do trabalhador. Parte substancial do prometido “auxílio-família” de 2022 está carimbado para ser gasto com aumentos da conta de luz, do gás e do combustível. Noves fora, a renda disponível do brasileiro só crescerá nos polos mais dinâmicos da economia. Por sorte, não existe um só Brasil: fará diferença positiva para quem mora numa região que tenha um governador ou prefeito capaz de antecipar situações e bancar soluções criativas. Aprendemos, no entanto, que estamos à matroca no tocante à regência das grandes questões nacionais. Nada é capaz de compensar o estrago de um governo improvisador e com gestão inoperante. Nenhuma outra qualidade de governante consegue repor a incompetência de líderes com flagrante inexperiência no trato dos desafios públicos. A conta amarga deste 15 de outubro está chegando para nós. Ficará mais leve, no entanto, se usarmos o troco deste episódio para não errarmos de novo em 3 de outubro… de 2022.

(*) Paulo Rabello colabora quinzenalmente nesta coluna.

Artigo publicado pelo jornal Estado de Minas em 25/set/2021.

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