Como fabricar um pobre

Como fabricar um pobre

Publicado originalmente no Jornal do Commercio, em 27/06/2023.

Reginaldo Oliveira

O assistencialismo governamental tem por objetivo suprir as necessidades imediatas das pessoas carentes, em detrimento de políticas que as elevem para uma classe social superior. 

Indivíduos acorrentados nos porões do assistencialismo ficam viciados nas migalhas do consumo e, ao mesmo tempo, dependentes dum sistema ideológico. O pobre enxerga no distribuidor da ração seu único meio de sobrevivência. Com isso, a massa de proscritos sociais é facilmente manobrada pelo poder estabelecido. E para a perpetuação no poder é necessário um gigantesco contingente de votantes. A partir dessas premissas nasce toda sorte de mecanismos empobrecedores da sociedade brasileira, sendo que o principal deles está na confiscatória tributação dos produtos básicos (incluindo alimentos). 

O legislador tributário criou uma máquina diabólica para sangrar quem verdadeiramente produz a riqueza desse país. Por outro lado, a elite do setor privado fez um pacto maquiavélico com o poder público para jogar a carga mais pesada nas costas dos pobres. A prova disso está num estudo da Professora Maria Helena Zockun (USP), o qual mostra que os altíssimos rendimentos pagam apenas 7% (IR), enquanto a classe média-média paga 27,5%. O governador do Amazonas cobra 12% de ICMS sobre uma Lamborghini, ao mesmo tempo que cobra 19% sobre itens da cesta básica. O IBPT aponta a carga tributária de 35% sobre peixes e 21% sobre ovos de galinha. A carga tributária escondida nos preços de alguns produtos se aproxima dos 90%. Por exemplo, 60% do forno micro ondas é imposto (IBPT). Considerando o cipoal normativo, é impossível determinar com exatidão a carga tributária de qualquer coisa. Portanto, os números do IBPT estão subestimados. 

O mecanismo nefasto criado pela dupla Sefaz/RFB está numa coisa chamada de “imposto por dentro” que mascara a verdadeira carga tributária. Por exemplo, na minha aula eu trabalho uma planilha de formação de preço, cujo ICMS “por fora” resulta em R$ 23,36 e “por dentro” fica em R$ 40,12. Tal fenômeno matemático acontece porque todos os componentes viram base uns dos outros. A carga real do ICMS é bem maior que a taxação oficial. Isso tudo joga o preço dos produtos lá pra cima. E como desgraça pouca é bobagem, o sangramento do pobre acontece antes de receber o salário. 

O trabalhador empregado é dominado pelo arquétipo “direitos trabalhistas”. O político adora falar desses tais “direitos”. Interessante, é que muitos brasileiros se matam para largar os “direitos” no Brasil e depois viver sem “direito” nenhum nos EUA. Pois é. Sabemos todos nós que o empregado recebe metade do custo pago pelo empregador. Ou seja, para obter tais “direitos” o empregado perde metade do salário. 

Já faz muito tempo, discutem-se projetos para garantir os “direitos” dos motoristas de aplicativo. Em 2017, a Uber pagou quase um bilhão de reais em tributos, mas mesmo assim, os funcionários públicos dizem que a Uber não paga imposto. Na verdade, o agente fazendário não quer muito, ele quer tudo; quer sangrar o contribuinte até a última gota de sangue.

Pois bem. Para garantir os “direitos” dos motoristas de aplicativo, os valores das corridas teriam que dobrar ou triplicar. E para manter os preços atuais, o motorista teria seus rendimentos cortados pela metade ou menos. Esse seria o preço a pagar pelos “direitos”. O fato é o seguinte: Não existe uma mágica capaz de garantir “direitos” sem matar a funcionalidade da Uber ou cortar o pescoço do motorista. Parece que o governo quer mandar todo mundo de volta para o ônibus. Pelo jeito, alegria de pobre dura pouco.  

Então, a máquina de fabricar pobres é de uma engenhosidade diabólica. Ela é construída por agentes fazendários fortemente marcados por traços sociopatas. Todos os esforços arrecadatórios da Sefaz e da Receita Federal são sempre voltados para os mais pobres. Nada, absolutamente nada, é feito para cobrar imposto dos super ricos. Inclusive, toda agitação da reforma tributária tem como propósito manter a carga do consumo e aumentar a taxação dos serviços. Enquanto isso, nada está sendo feito para taxar o super rico com a mesma carga da classe média (IR). Atualmente, ganhos financeiros super milionários pagam apenas 15% de imposto de renda. 

Por trás da obsessão pela regressividade tributária está o firme propósito de expandir o contingente de pobres para assim garantir a permanência no poder. Os pobres continuarão recebendo metade do custo trabalhista e depois metade dessa metade é confiscada pelos impostos sobre consumo. Inclusive, a Professora Maria Helena afirma que metade do Bolsa Família volta para os cofres do governo na forma de impostos escondidos nos produtos de consumo. Se existe capeta, ele deve ter muita inveja do fisco brasileiro. Curta e siga @doutorimposto. Outros 480 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br como também está disponível o calendário de treinamentos ICMS.

 

Reginaldo Oliveira

Reginaldo de Oliveira é professor de ICMS, consultor empresarial e um estudioso do sistema tributário brasileiro e suas deformações. Redes sociais: @doutorimposto. Email doutorimposto@hotmail.com. Site: www.doutorimposto.com.br.

 

 

 

 

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