A Missão de Pacheco

A Missão de Pacheco

Publicado originalmente no jornal Estado de Minas, em 07/10/2023.

Paulo Rabello de Castro

Em recente editorial (26/09), o prestigiado jornal Estado de São Paulo crítica a morosidade dos trabalhos da Reforma Tributária no Senado e alerta que, mesmo imperfeito, o texto precisa ser votado. Mas por quê? Seria pelo fato de o relator da matéria, Senador Eduardo Braga, estar ouvindo demais, dialogando em excesso e decidindo de menos? Braga está no topo do ranking do Congresso em qualificação parlamentar. É a pessoa certa para arredondar a bola quadrada que veio no texto aprovado pela Câmara. Não se trata de mero “aperfeiçoamento”. Como está, a reforma não vai ajudar o Brasil. É preciso consertar o projeto em pontos fundamentais.

Com essa compreensão tácita é que o Senador Rodrigo Pacheco, na sua sagaz mineiridade, abandonou a pressa de votar um projeto torto. O Relator, Eduardo Braga, tampouco tem pressa de errar. Ambos buscam manter a estrutura geral do projeto original, a de um imposto de consumo universal, mas sem pacto com o erro. O Relator quer ter certeza de que a reforma não será xingada quando for colocada para rodar. Ambos, Braga e Pacheco, querem conter a voracidade fiscal do Estado brasileiro. Isso os qualifica como nossos representantes na reforma. O imposto de consumo não pode espoliar o consumidor, que pagará a maior carga do planeta. Por isso mesmo, uma cláusula de controle periódico da carga do IVA precisa ser introduzida no texto, se possível com uma regra para a redução gradual da alíquota de referência até um padrão civilizado.

Na próxima semana, o presidente da Associação Comercial de Minas – ACMinas — fará a Pacheco, em Brasília, a entrega de uma sugestão de texto que aperfeiçoa e, sobretudo, que simplifica o enrosco da atual PEC 45-F. José Anchieta da Silva será acompanhado, nessa visita ao presidente do Senado, por especialistas do Atlântico, entidade de estudos que elaborou o conjunto de alterações à PEC, com supervisão de professores do Comitê de Reforma Tributária da ACMinas. Tomara que a missão desse valoroso time das alterosas tenha sucesso em repercutir o que vários senadores já têm procurado fazer ao propor mais de 200 emendas à PEC 45.

Um dos mais empenhados nessa tarefa difícil é o Senador Hamilton Mourão, incansável na luta por corrigir erros crassos no texto vigente. Um dos piores é a invenção do Conselho Federativo, desnecessária juntada de 54 representantes de quase 6000 entes federados num único balaio de gatos, criado para gerir, legislar e julgar, tudo ao mesmo tempo, o imposto de consumo — IBS. Para fazer voar esse avião sem asas, a PEC prevê “recursos iniciais” da ordem de R$1 bilhão por ano. Que imposto é esse que, só para ser gerido, custaria mais de um bilhão anuais? Vem o Tribunal de Contas, ao analisar a PEC, a pedido do Relator, e propõe a criação de mais um órgão de controle, dessa feita para “supervisar” o tal Conselho Federativo. Não seria o próprio Senado aquele que tem competência privativa sobre avaliação das administrações tributárias do País? [CF88, art. 52, XV] Claro que sim. Então, não tem cabimento esse exorbitante Conselhão, novo cabidão de empregos da República. A solução foi encontrada pelo Senador Mourão ao propor suprimir o tal Conselho e substituí-lo por uma simples Câmara de Compensação de Tributos, dotada de um aplicativo de arrecadação centralizada (ONDA), que facilitará a vida das empresas na correta emissão das notas fiscais e repartirá os recursos arrecadados, sem rolo nem retenções indevidas — automaticamente — ao fim de cada dia útil. O Senador Mourão propõe, enfim, trocar o bizantino Conselhão — arremedo de senado sem senadores — por um amigável sistema computacional, uma espécie de PIX tributário que facilitará o dia-a-dia de empresas e consumidores.

Esta e outras boas sugestões de alterações úteis constam da bagagem que Anchieta da Silva e o Atlântico levarão a Pacheco. Em especial, o Substitutivo reposiciona os Municípios brasileiros como protagonistas na arrecadação e apropriação do novo imposto de consumo. O novo texto prevê que 40% da arrecadação do IBS em cada Estado seja repartido aos respectivos municípios, diariamente, pela Câmara de Compensação. Esse IBS será o produto da soma das atuais receitas de ICMS (estadual) e ISS (municipal), mais a quota-parte federada no IPI. As mencionadas siglas devem desaparecer. É fundamental que as verbas fiscais dos 5570 municípios brasileiros não desapareçam junto com os impostos atuais. O risco é enorme que prefeitos passem a viver de pires na mão, numa pindaíba mais grave do que o “pendura” de hoje. A posição da ACMinas/Atlântico é por reforçar as verbas municipais, tornando-as de repartição diária e automática, conforme o valor adicionado de cada cidade ao conjunto das receitas estaduais.

Há muito a fazer para corrigir e desentortar o texto da Reforma. A missão do presidente do Senado não é trivial: tem que zelar por prazos, mas não pode atropelar o futuro do País só para cumprir calendário e acabar aprovando um texto imperfeito e inadequado. Há décadas a Nação brasileira sofre com o manicômio de impostos. Não é o Senado que trava a Nação. São anos de estupidez legislativa, acumulada em milhares de normas, que resultaram no impasse atual. Para tirar o País do enrosco, Pacheco precisa de tempo e não pode ter pressa na sua histórica missão.

 

Paulo Rabello de Castro, formado em Economia e Direito, Ph.D pela Universidade de Chicago, ex-Presidente do BNDES e do IBGE, fundador e sócio da RC Consultores. ​Foi Presidente do Instituto Atlântico e fundador da OSCIP Instituto Maria Stella. Fundou o Movimento Brasil Eficiente que propõe uma simplificação da carga tributária e mais eficiência dos gastos públicos. É autor de mais de 10 livros, entre os quais O Mito do Governo Grátis, Rebeldia e Sonho e Lanterna na Proa. 

 

 

CLIQUE PARA FALAR COM O AUTOR

O artigo acima não representa, necessariamente, a opinião do Atlântico.