Manuel Jeremias Leite Caldas*
Muitos consideram que a privatização é errada, pois as estatais são patrimônio do povo. Precisamente, é por isso que devem ser privatizadas: para que voltem a ser do povo!
É preciso lembrar que o setor público – ou setor coercitivo, como sugere o economista e presidente do Atlântico, Rafael Vecchiatti – não gera recursos. O setor coercitivo apenas administra recursos provenientes do setor voluntário, obtidos por meio de tributação ou tarifas.
No passado, várias poupanças compulsórias foram alocadas em ativos de serviços de infraestrutura, como energia, transporte e meios de comunicação e integração. Depois da maturação do ciclo de investimento, esta poupança excedente deveria retornar aos cidadãos, como garantia de suas aposentadorias.
Os cidadãos são os verdadeiros donos dos ativos construídos com suas poupanças compulsórias.
Mas, este capital investido beneficiou indevidamente diversos atores, como os políticos, funcionários públicos e empresários. A má gestão dos ativos de infraestrutura, com subsídios na prestação dos serviços em prol de grupos específicos, por exemplo, desvalorizou o patrimônio do povo brasileiro.
A privatização é tratada como uma forma das estatais livrarem-se dos atores citados, aumentando sua produtividade e recuperando seu valor de mercado. Entretanto, o correto seria “devolver” estas empresas a quem é de direito – os contribuintes. Aí, sim, trocar sua gestão e decidir ou não pela sua privatização.
O PLS 139/1983
Em 1983, o senador Roberto Campos apresentou o Projeto de Lei do Senado 139/1983 com base na compreensão do real pertencimento dos ativos públicos.
O PLS 139/1983 previa que o capital formado pela poupança compulsória dos contribuintes deveria lastrear o FRGPS – Fundo do Regime Geral da Previdência Social para pagamento das suas aposentadorias. Desta forma, o contribuinte passaria a ser cotista do FRGPS. Tratava-se simplesmente do encontro de contas entre as poupanças forçadas do passado e os benefícios previdenciários correntes.
Baixo crescimento da economia
A interrupção prematura dos instrumentos de poupança forçada nas décadas de 80 e 90, com a transformação dos ativos em “títulos podres”, associada a apropriação de vários títulos ou instrumentos de poupança forçada por parte do estado brasileiro (dos quais o estado detinha a posse e não a propriedade), fez a poupança interna murchar. Com isto, o crescimento do país também minguou.
A correção desses aspectos ou fundamentos poderá viabilizar o retorno do crescimento da economia em bases mais sólidas.
O Estado deveria desenvolver garantias reais e legais para limitar seu poder sobre os ativos, de forma a terminar com o abuso de autoridade realizado sucessivamente pelos gestores públicos contra o povo e o próprio Estado nacional.
Solução para a previdência
O FRGPS já poderia estar em funcionamento. O fundo promoveria o equilíbrio atuarial e financeiro da previdência. Liberaria recursos do Orçamento, melhorando a situação das contas públicas, com efeitos imediatos sobre o risco Brasil, a confiança do investidor e a atração de investimentos privados. Também aumentaria a capacidade de investimento do Estado e viabilizaria a redução efetiva da carga tributária.
Mas… o PLS do falecido senador Roberto Campos jaz no Senado Federal há quase 40 anos. Como disse o senador em seu artigo de 1985 chamado “O capitalismo do povo”, as ideias simples são em princípio escandalosas.
Propriedade e Participação
Na visão de Roberto Campos, a privatização como um programa de repartição de capital inauguraria o capitalismo do povo. Na visão do senador, os cidadãos, por serem proprietários de pequenas frações das empresas públicas, passariam a ter interesse em fiscalizá-las, visando obter dividendos. Desta forma, se organizariam em associações civis, a fim de se manifestarem nas assembleias gerais. E o lucro da empresa passaria a ser considerado o que realmente é: um prêmio por desempenho, e não uma vilania do capitalismo.
Milhões de capitalistas
Devemos montar uma estrutura intertemporal que permita a convivência do sistema de repartição com o sistema de capitalização, junto com uma regra de transição de 15/20 anos.
Esta mudança seria possível através da “mega” transferência de propriedade de todas as estatais e imóveis que hoje são bens da União, mas que foram constituídos com recursos dos antigos sistemas de previdência IAPETEC, IAPB, IAPC, IAPI, INPS, IPASE e vários outros, para o FRGPS. Este processo seria a maior pulverização de capital do planeta, transferindo aos seus reais financiadores ou seus detentores naturais, os contribuintes do sistema previdenciário. Seria possível afirmar: “A capitalização total, com a criação de milhões capitalistas”.
*Engenheiro Elétrico. Doutor em Economia e em Administração.
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