A política afetará a economia?
Publicado originalmente no jornal Estado de Minas, em 22/10/2022.
Paulo Rabello de Castro
Não estou entre os que antecipam o desastre na economia com um ou com outro desenlace do pleito presidencial. A diversidade de opiniões e até o calor das divergências são feições essenciais da prática de uma democracia. Felizmente, o Brasil acordará em 1º. de novembro já com uma ferrenha oposição formada contra o governo eleito, seja ele qual for. Saber administrar a própria vitória – em favor de uma pauta positiva de avanço para toda a sociedade – será o principal desafio do vencedor. E ponham desafio nisso!
Apesar dessa dificuldade inicial, o mercado de capitais vai comemorar o resultado. E por quê? Nenhum candidato governa com os exageros verbais que pratica em campanha política. O anúncio de uma nova equipe para a economia (sempre terá novidades) embala esperanças de desdobramentos positivos. Além disso, há fatores fundamentais que diminuem bastante as chances do voluntarismo pós-eleitoral. Vamos lembrar alguns desses fatores: 1) o orçamento fiscal muito apertado para 2023; 2) o “atraso” em reajustes de combustíveis e outras tarifas; 3) a piora do cenário externo, convulsionado pela escalada do conflito na Ucrânia; 4) a alta dos juros externos e ameaça de recessão em escala mundial; 5) a desorganização de várias cadeias de suprimento industrial. Somem-se a esses, como problemas crônicos – e graves – da nossa realidade brasileira, o excesso de endividamento das famílias, a insegurança alimentar de milhões de pessoas, o caos silencioso na saúde pública e os impasses na infraestrutura do País. Ao encarar essa pauta-bomba de problemas, mesmo um presidente desmiolado ou deslumbrado terá seu momento de circunspecção e moderação. Os desafios são grandes demais para bravatas de candidato recém-eleito.
Há outros elementos de estabilização na atual conjuntura nacional que merecem ser lembrados. Um deles é a atuação do Banco Central, se criticável por excessos de juros, nunca por omissão na gestão da curva inflacionária. Embora acima do teto da meta pelo segundo ano consecutivo, o relevante é que a inflação vem sendo controlada e continuará sendo vigiada pelo Copom do Banco Central, seja qual for o vencedor do pleito. Essa estabilidade institucional não é vantagem desprezível num país com extenso currículo de desordem financeira no passado. Para ajudar na tarefa, o próximo presidente vai ter que se concentrar em revisar o lado do orçamento fiscal e propor uma nova fórmula para melhorar a execução dos investimentos dentro do teto geral de gastos. Na campanha, as promessas feitas excederam as possibilidades da arrecadação efetiva. Algumas dessas promessas serão sacrificadas. Isso exigirá que o presidente sente na mesa com os governadores dos Estados, todos de olho no objetivo comum de não arruinar suas biografias políticas com uma gestão pálida e de poucos investimentos. São 27 candidatos a prosseguir em suas carreiras políticas, inclusive de olho numa futura chance presidencial. Tudo conspira a favor de uma espécie de novo pacto federativo que, de algum modo, mesmo oblíquo, já começou a ser costurado quando se passou a decisão de alinhar o ICMS dos combustíveis, energia e comunicações para o nível-padrão da maioria das demais incidências. É a chance que o próximo presidente terá de avançar numa proposta de reforma tributária que simplifique e organize melhor a repartição das receitas entre os três níveis de poder (federal, estadual e municipal) além de rever os custos trabalhistas.
Uma repactuação federativa é absolutamente essencial para a estabilidade política do próximo governo, seja ele qual for. E tal estabilidade política trará a chance de significativo avanço na economia se o segundo braço dessa negociação de alto nível for acionado. É a revisão da planilha de cálculo das dívidas estaduais, hoje oneradas por cláusulas leoninas impostas aos entes federados desde o período FHC. Tal revisão – que faz todo sentido – deve ser atrelada a um plano de aceleração de investimentos (PAI) aplicável a todos os Estados, capaz de deflagrar uma onda positiva de investimentos em áreas de grande demanda social, com o saneamento, resíduos sólidos, ambiente, energias renováveis e logística.
Terá o futuro governante discernimento para conduzir de modo prático e conclusivo tais negociações que, inevitavelmente, envolverão os interesses instalados na nova legislatura do Congresso Nacional? Lembremos que, enquanto o mandatário reflete sobre como conduzir esse desafio no plano doméstico, o cenário irá piorando no plano externo. Portanto, esse cidadão presidente não terá tempo a perder, muito menos ficar inventando modas. Quem quer que seja o ungido pelas urnas, é o cenário dessas múltiplas demandas que ditará a vida do presidente e de sua equipe. Nunca o inverso.
Portanto, em qualquer direção, bom voto.
Paulo Rabello de Castro, formado em Economia e Direito, Ph.D pela Universidade de Chicago, ex-Presidente do BNDES e do IBGE, fundador e sócio da RC Consultores. Foi Presidente do Instituto Atlântico e fundador da OSCIP Instituto Maria Stella. Fundou o Movimento Brasil Eficiente, que propõe uma simplificação da carga tributária e mais eficiência dos gastos público. É autor de mais de 10 livros, entre os quais O Mito do Governo Grátis, Rebeldia e Sonho e Lanterna na Proa.
O artigo acima não representa, necessariamente, a opinião do Atlântico.