Houve um tempo no faroeste em que mocinho ganhava de bandido no fim do filme. Era o tempo das diligências, que já passou e vive apenas em nossa memória afetiva. A era atual – pode-se dizer – é o tempo das milícias e orcrims. Em séries de TV, como as da Netflix, a gente toda hora se pega torcendo pros bandidos levarem a melhor. Tal subversão de sentimentos também nos colhe de surpresa no filme da política e da economia. No tempo das diligências prevalecia a esperança do “final feliz”. Hoje prevalece certa resignação com o desastre. A economia brasileira percorre uma rota desastrosa. Os últimos secretários da pasta econômica com agenda republicana acabam de pular do barco, acompanhando uma legião de outros colaboradores de Paulo Guedes que vêm pedindo o boné. Quem estava lá dentro do ministério da Economia até ontem sabe que esse filme não pode acabar bem.
Não sobraram mais mocinhos no roteiro do filme dirigido pelo ministro mais desmoralizado dos últimos tempos. É o Congresso do Centrão que comanda os cordéis frouxos da comédia de bonecos ventríloquos da economia. Derrubaram a regra do teto de gastos. O ministro fez de conta que não. Empurraram verbas secretas no Orçamento. O ministro não chiou. Ameaçam lançar uma verba de Auxílio Brasil capaz de inverter preferências eleitorais. Lançam projetos tributários que a sociedade em bloco rejeita. O ministro finge que não é com ele.
O câmbio, sinal mais sensível da percepção do “mercado”, empina na direção dos seis reais por dólar, claramente carregado de incerteza e desesperança sobre o futuro. O Banco Central gasta os tubos para segurar a cotação, fazendo seguidas operações de venda futura e à vista de dólares, embora saiba que não há mais atuação no mercado que sustente um mínimo de estabilidade. Acabou a curta lua de mel com juros normais. O BC se curva, resignado, a perseguir, com juros crescentes, a perigosa inflação de dois dígitos presente nas gôndolas dos supermercados. As verbas bilionárias que se distribuem como compensação a milhões de carentes não alcançarão a garfada que se tira pelo agravamento do processo inflacionário. Uma inflação de 10% ou mais é mortal contra o poder de compra da massa de brasileiros da classe média para baixo.
Na política, a escolha futura parece se dar entre dois infernos. O cidadão comum também faz resignada leitura de sua aparente falta de opções para as eleições de 22. Mas não precisaria ser assim. O Brasil continua maior do que o buraco em que se meteu. Mas, visto de hoje, é quase impossível resgatar uma visão de esperança. Há uma crise energética no mundo, que se entrelaça ao enorme desafio climático. Isso deveria ser ótima notícia para o Brasil, porque somos, em tese, potenciais exportadores de soluções nesses dois campos. Portanto, existe um céu para cada opção de inferno que se abre debaixo de nossos pés. Depende da leitura que se faça da realidade diante de nós. Começa a ficar mais clara a frase de capa do último livro de Ciro Gomes: “o dever da esperança”.
No tempo das diligências, a esperança era espontânea porque sobrava crença, no coração dos brasileiros, por um futuro de oportunidades ampliadas para todos. Hoje, entretanto, diante de oportunidades esmagadas e com a explosão das políticas assistenciais de cobertura a múltiplas carências sociais – do gás à conta de luz, do diesel ao absorvente íntimo – nesse ambiente descolorido de futuro, a esperança passou a ser um dever, algo que se impõe por disciplina de cidadania. A esperança passou a envergar uma armadura de ferro para poder resistir aos ataques do nosso dia a dia.
O que é hoje, afinal, a esperança no Brasil senão o triunfo da expectativa sobre a experiência? A ironia de Roberto Campos, a quem pertence essa arguta constatação, casa com a ironia bem-humorada do pai do nosso liberalismo caboclo, Eugenio Gudin, quando brincava com seus muitos admiradores e leitores: “Na vida, só tive uma amante e ela sempre me traiu; foi o Brasil!”
Paulo Rabello é economista e membro do Atlântico.
Artigo publicado no jornal Estado de Minas em 23/out/2021.