Revisão ou morte!

Revisão ou morte!

Publicado originalmente no jornal Estado de Minas, em 07/05/2022.

Paulo Rabello de Castro

Uma revisão completa da Constituição Federal de 1988 é essencial para a sociedade superar a angustiante estagnação econômica, o empobrecimento social e os custosos embates políticos que vivemos como País, na virada do bicentenário da Independência.

Em 1988, praticamente todos os estratos da sociedade esperavam que a redemocratização resgatasse o crescimento econômico das décadas do “milagre”. Acreditávamos que as promessas da Constituição Cidadã, promulgada naquele ano, se converteriam em “direitos adquiridos” estáveis e “aumentos de renda” para todos. Isso só resultou verdade para bem poucos: os segmentos protegidos da máquina do Estado, que nunca enfrentam mau tempo.

É esta a razão do caráter minucioso e detalhista da Constituição de 88. Contendo 250 artigos, com milhares de parágrafos, incisos e alíneas, além de 119 disposições transitórias, a Constituição de 1988 recebeu, em apenas 33 anos de vigência, até hoje, 116 Emendas (num ritmo superior a 3,5 por ano). A Carta Magna do Brasil se transformou num estatuto de condomínio e o STF é o síndico do prédio, convocado a decidir sobre qualquer tema e apequenado em sua missão maior, pela sobrecarga que lhe é imposta. O texto da Constituição perdeu sua unidade conceitual e se transformou numa peça irreconhecível, apesar da boa estrutura de seus princípios.

Uma revisão geral da Carta havia sido prevista para o fim do primeiro quinquênio da sua vigência, em 1993, em votação por maioria absoluta e unicameral. Porém, as forças políticas de então entraram em acordo para não revisar nada. Prevaleceu a recusa imobilista a uma revisão ampla. Contudo, ao longo dos anos, se admitiu a “constitucionalização” de temas ordinários, por meio das PECs. As Emendas aprovadas nunca respeitaram critério de essencialidade constitucional. A Carta dos brasileiros se tornou uma Babel de benesses, privilégios, excepcionalidades, vantagens e subsídios, multiplicação de fundos assistenciais, verbas carimbadas, reajustes automáticos de proventos, irredutibilidades e pensões especiais. Um monstrengo.

Vista pelo tácito propósito de promover uma generalizada acomodação de interesses dos grupos burocráticos do Estado, das elites econômicas e de corporações classistas, ainda que concedendo algumas graciosidades aos segmentos populares, a Constituição Federal de 1988 tem tido um papel politicamente “funcional”, porque acomoda todo tipo de interesses, porém com resultado catastrófico pelo ângulo do progresso do País, já que tantas regalias concedidas exigem uma carga extrativa digna de um manicômio tributário, cujo peso gigantesco esmaga o desenvolvimento.

Ainda no início dos anos 90, o ATLÂNTICO foi um dos poucos grupos de pensamento nacional a identificar o engessamento operacional do Brasil produtivo. O futuro seria muito pior… O preço a pagar pela obesidade e monstruosa expansão da máquina do Estado foi a escalada tributária na Constituição de 88. Com a edição do Plano Real em 1994, o controle da inflação significou a necessidade de substituir o “imposto inflacionário” por ainda maior extração de recursos da sociedade. Foram majorados os tributos indiretos – que sobrecarregam os preços e a cesta de consumo – punindo mais duramente quem vive de salário e é pobre.  A CF 88, a partir daí, passou a trair seu nobre propósito de tornar a riqueza do País accessível a todos pela ampliação das oportunidades sociais. Pelo contrário, desde então o Brasil nunca mais vivenciou um progresso duradouro, a ponto de se poder afirmar que a CF 88 hoje contém trechos amplamente “inconstitucionais”.

Foi preparada uma “Proposta Atlântica” para a revisão da Constituição de 1993, então apresentada pelo brilhante deputado Eduardo Mascarenhas. Um milhão de “cartilhas” explicativas dessa proposta de Revisão foi distribuído aos trabalhadores e ao grande público, num esforço conjunto do Atlântico com a Força Sindical. Nenhuma dessas iniciativas obteve o êxito almejado. O andar de cima, aboletado em privilégios, sentiu que poderia perder e não deixou a Revisão acontecer. A “estabilização” dos preços, trazida pelo Plano Real em 1994, passou a ser – e até hoje – a única meta visível da sociedade brasileira. Os juros mais elevados do planeta são praticados, impunemente, sob o manto dessa permanente e infindável “estabilização”, que matou o crescimento.

Procuramos razões por que o Brasil parou de prosperar e acentuou desigualdades. Não é só por (falta de) educação, nem de saúde, ou por Lula e Bolsonaro.  É, antes, pelo conjunto das extrações de renda que diariamente se faz aos brasileiros que trabalham, sobretudo os mais humildes, via impostos enfiados nos preços de tudo. Por aí o Brasil “vaza” sangue do trabalho para o ócio, do lucro para o juro, da produção para o rentismo. Podemos até trocar de presidente, de governador ou prefeito. A estagnação está contratada e legalizada no texto dos imensos privilégios inscritos na CF 88. Em pleno ano do bicentenário da nossa “independência”, nosso brado de luta deveria ser: “Revisão ou Morte!”

 

Paulo Rabello de Castro, formado em Economia e Direito, Ph.D pela Universidade de Chicago, ex-Presidente do BNDES e do IBGE, fundador e sócio da RC Consultores. ​Foi Presidente do Instituto Atlântico e fundador da OSCIP Instituto Maria Stella. Fundou o Movimento Brasil Eficiente que propõe uma simplificação da carga tributária e mais eficiência dos gastos público. É autor de mais de 10 livros, entre os quais O Mito do Governo Grátis, Rebeldia e Sonho e Lanterna na Proa.

 

*Artigo publicado com a colaboração de Cíntia Furtado, mestre em economia pela UFMG.

 

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O artigo acima não representa, necessariamente, a opinião do Atlântico.

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