Na primeira reunião do Grupo de Trabalho da Reforma Tributária, realizada na Câmara dos Deputados, foram expostos fundamentos das PEC 45 e 110, que já tramitavam na Câmara e no Senado, respectivamente. Ambas preveem a substituição de cinco tributos (PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS) por um ou dois impostos sobre valor adicionado (IVA) e um Imposto Seletivo (IS), extrafiscal.
O IVA deverá incidir sobre as vendas ao longo da cadeia de produção e comercialização, com a recuperação de todo o imposto pago nas aquisições feitas pelas empresas nos processos produtivos. Assim, haverá a tributação apenas do valor adicionado em cada etapa.
Enquanto a PEC 45 prevê a substituição por um IVA Único, denominado IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) mais o Imposto Seletivo (IS), a PEC 110 contempla um IVA Dual, composto pelo IBS (subnacional), acrescido da Contribuição sobre Operações com Bens e Prestações de Serviços (CBS, federal) e do IS (federal).
A visão de Appy
Economista e Secretário Extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy é um dos formuladores da PEC 45 e defensor do IVA. Para ele, tanto o IVA único como a proposta do IVA dual promovem a migração para o melhor padrão internacional de tributação sobre o consumo de bens e serviços, cujas principais características são uma base ampla de incidência, não cumulatividade plena e tributação no destino – permitindo a tributação do consumo e não da produção.
“O bom IVA tem as regras mais homogêneas possíveis, com o mínimo possível de exceções”, afirmou recentemente. A homogeneidade estaria na aplicação de uma única alíquota para todos os bens e serviços da economia. O resultado seria a redução das distorções alocativas na economia e o aumento da produtividade, pois as decisões de consumo e investimento não seriam pautadas por pagar menos impostos.
Para reverter os efeitos do aumento da tributação dos bens essenciais, o secretário aponta a possibilidade de oferecer cashback do imposto, devolvendo às famílias de baixa renda parte do que foi pago.
A simplicidade do IVA é outra característica ressaltada por Appy, lembrando que o ICMS tem 27 legislações estaduais, com múltiplas alíquotas e regimes fiscais.
Segundo o secretário do governo Lula, todos os setores serão beneficiados pela Reforma Tributária: “A reforma não é um jogo de soma zero. No agregado, todos ganham. E todos os entes da Federação são beneficiados por conta do maior crescimento do país. É um jogo de soma positiva. Para que fazer uma reforma se não for para o país crescer mais?”, defendeu em evento organizado pela Renova BR.
A Reforma Tributária beneficia o crescimento?
A narrativa de amadurecimento das discussões sobre a Reforma Tributária do consumo não poderia estar mais equivocada. Existem questões mal resolvidas nas duas Propostas de Emenda à Constituição, que podem gerar ainda mais burocracia e aumentar os litígios tributários.
A alíquota uniforme do IBS, por exemplo, deverá ficar acima dos 25% – basta calcular a soma dos valores médios dos tributos que ele irá substituir. Uma alíquota de 25% já seria a maior entre todos os países que adotam o IVA, implicando numa elevação brutal da carga tributária de serviços e bens essenciais.
E há um agravante: hoje a indústria recolhe mais impostos, mas consegue recuperar parte deles através dos créditos tributários, já o setor de serviços, não. Não é à toa que entre 27 países da Comunidade Econômica Europeia (CEE), apenas a Dinamarca possui um IVA com alíquota única.
Cinco alíquotas trazem mais equilíbrio
Em 2019, o ATLÂNTICO – Instituto de Ação Cidadã apresentou à sociedade a sua proposta de Reforma Tributária, com um sistema de cinco alíquotas para acomodar os interesses de todos os setores. Trata-se de um sistema com uma alíquota-padrão, duas alíquotas reduzidas e duas alíquotas majoradas.
A alíquota-padrão partiria de 29%, aproximadamente, para manter a carga tributária atual, sendo reduzida ao longo dos cinco anos seguintes. As duas alíquotas reduzidas seriam de 8%, sobre bens essenciais e serviços pessoais (cumulativa), e de 18% sobre bens fomentados, evitando-se assim o sugerido e desatinado cashback.
Já as alíquotas majoradas seriam de 36%, sobre bens supérfluos, e de 46%, sobre bens poluentes e perigosos. Com esta configuração, não haverá regimes especiais e nem a necessidade de um imposto seletivo.
A tributação exclusivamente sobre o destino é outro problema das PECs 45 e 110. Esta alteração do critério terá forte impacto distributivo contra os estados e municípios produtores, o que deverá gerar muita resistência à Reforma Tributária do atual governo.
As PECs 45 e 110 também não deixam claro quem irá bancar a estrutura de fiscalização, caso a totalidade da arrecadação seja recebida no destino. Na proposta do ATLÂNTICO, este desafio é contornado com a retenção na origem de 4% do total arrecadado pelo IBS. Esta solução também elimina a necessidade dos fundos de compensação, bem como da criação do certamente custoso Comitê Gestor do IBS.
Reforma Tributária simplificadora e neutra
O rolo compressor acionado pelo governo para aprovar a Reforma Tributária, ainda no primeiro semestre de 2023, quase não deixa espaço para debater uma grande expectativa da sociedade: haverá uma simplificação verdadeira dos processos tributários? A proposta de Reforma Tributária apresentada pelo ATLÂNTICO responde a esta demanda com a criação do Operador Nacional de Distribuição da Arrecadação (ONDA), um sistema dedicado a gerenciar o circuito tributário, desde a emissão da NFe correspondente, até a efetiva repartição do valor recolhido.
Com funcionamento similar ao PIX, o ONDA simplifica e dinamiza a arrecadação e a distribuição dos impostos. A partir de um sistema computacional que calcula a parte da arrecadação que cabe aos estados, municípios e ao governo federal, o ONDA entrega na conta bancária de cada ente a sua cota parte – diariamente.
As inovações trazidas pelo Operador Nacional de Distribuição da Arrecadação evitam uma longa transição tributária e a coexistência de duas estruturas, além de reduzirem corrupção na distribuição dos recursos, afora a segurança em favor dos estados e dos municípios, na medida que os recursos arrecadados do IBS não transitariam pelo Tesouro Nacional, afastando-se assim a necessidade de tormentosa partilha.
Com o ONDA será possível manter os percentuais de arrecadação de cada ente federativo no momento da transição e o princípio de arrecadação no destino valerá apenas para as “riquezas novas”, ou seja, para o acréscimo no fluxo econômico criado depois daquele momento. Como benefício extra, este sistema computacional permite a realização de simulações e estudos, com a calibragem das alíquotas e correções de eventuais problemas – algo não previsto pelas PECs 45 e 110.
O rolo compressor do governo também falha no discurso de neutralidade, ao afirmar que as PECs 45 e 110 não causam distorções na economia e nem nas decisões sobre investimentos. O IVA de alíquota única, por exemplo, tem potencial para desorganizar a economia em pouco tempo, pois rapidamente desencadeará a criação dos regimes especiais e sua inseparável burocracia. O exemplo é o PIS/Cofins, deformado já na sua criação e instituição, que conta atualmente com mais de 80 regimes especiais, gerando enorme burocracia para os contribuintes e custo para o recolhimento dos impostos, além de grande volume de demandas judiciais envolto a estas contribuições.
Não é difícil de avistar que a reforma defendida por Bernard Appy pode ser o estopim para uma explosão de litígios tributários, novamente por conta da alíquota única. Enquanto os autos de infração tributária não atingem 1% do PIB na Comunidade Economia Europeia, no Brasil eles já alcançam 75% do PIB (litígios administrativos e judiciais). Neste sentido, o melhor é não haver reforma, sabendo-se de antemão do seu grau de vulnerabilidades.
Para o ATLÂNTICO, está claro que as premissas do processo de Reforma Tributária impulsionada pelo Palácio do Planalto são vagas e longe de serem consenso. O debate precisa ser aberto, transparente e contando também com destacados especialistas, de fora do governo, como ocorreu com os estudos que culminaram na elaboração e edição do longevo e consistente Código Tributário Nacional – CTN, em vigor há 50 anos. O Brasil agradece.