O Brasil da Normalidade (II)
Publicado originalmente no jornal Estado de Minas, em 13/01/2024.
Paulo Rabello de Castro
Num janeiro quente e modorrento, com o principal ministro do governo Lula gozando de merecidas férias, escasseiam as notícias sobre a verdadeira situação estrutural da economia brasileira. Na nossa conversa anterior, repercuti a frase de encerramento dos trabalhos de 2023 pelo ministro Fernando Haddad: “O Brasil voltou à normalidade!”. Assim comemorou o simpático timoneiro das finanças pátrias. De fato, a normalidade voltou, se isso significar que voltamos ao estado de estagnação e estancamento que tem caracterizado a economia brasileira desde 2014, quando enfrentamos a pior recessão desde o século passado. Depois veio a pandemia da COVID com efeitos paralisantes sobre o nível de atividade em geral. O agronegócio ajudou a segurar a renda nos anos mais recentes. Mas o ano de 2023 mostrou, com indicadores contundentes, o estancamento do núcleo industrial do País.
Por sorte, o ministro estava de férias; por isso não precisou comentar os dados publicados no último dia 09, pela manchete da Folha de São Paulo, sobre pesquisa do IBGE, trabalhada pelo IPEA, que mostram como estão os investimentos no Brasil. Estamos muito mal, obrigado. A notícia da Folha ressalta um aspecto que o leigo em economia não tem facilidade de entender em profundidade. Trata-se do nível do investimento líquido do País, ou seja, a contribuição de novos investimentos após descontar a parcela anual de inversões que meramente repõe o que foi desgastado pelo uso e tempo. Estamos falando de descontar a depreciação natural do capital, que precisa ser reposto dia após dia. Quando descontada essa última parcela, não tem sobrado praticamente nada como ACRÉSCIMO de capital. Há anos, desde a recessão de 2015-17, estamos convivendo com esse desaparecimento de investimentos líquidos, para além da reposição do estoque preexistente. Ora, nada é mais vital para a continuidade do crescimento da economia e dos empregos do que novos investimentos. Sem eles, não há como crescer. E por isso mesmo, nosso crescimento na última década tem sido tão ruim, com estagnação da renda per capita: a razão é a falta de investimentos, para além da reposição do capital que vai se desgastando no tempo.
Há elementos de comprovação estatística dessa estagnação: a indústria brasileira está parada como indicador de produção — no seu conjunto — desde início da década passada. Óbvio que alguns segmentos não pararam de crescer, como o agronegócio e as áreas de energia e construção civil. Felizmente (!) pois, se assim não fosse, o desastre seria completo. Mas os setores que têm tido bom desempenho não compensam a pasmaceira do resto da produção nacional.
Quem responde por esse grave estancamento nacional? Isso é normal? Isso é esperado de um País cujo ministro anuncia a volta à normalidade? De onde, então, virão os impulsos do crescimento no que ainda resta do “governo Lula”? São essas as perguntas-chave, às quais se deve acrescentar: “Alguma pista sobre quem seria o bicho roedor que devora diariamente o investimento brasileiro?” As causas da estagnação têm tudo a ver com a extração que a máquina pública impõe ao setor privado através da carga tributária e do déficit financeiro do governo. Essas duas parcelas de gastos não pararam de crescer, apesar da falta de investimentos. Pior. No setor público, os gastos estéreis do governo é que vão consumindo o espaço orçamentário dos investimentos, o que fica patente pela falta ou deterioração da infraestrutura do País, das estradas às pesquisas científicas. Não sobra dinheiro para investir. Simples assim. E como o déficit financeiro do governo é enorme (700 BILHÕES, só em 2023) o Banco Central pratica taxa de juros de extorsão (a maior taxa real do planeta) que inibe os investimentos no setor privado. Bingo. Com investimentos minguando a cada dia, tanto no governo como no setor privado, a produtividade — outra variável-chave — tampouco sai do lugar.
O País semiparado também não precisa importar, bastando exportar para manter as contas em dia. Olhando o desempenho das importações em 2023, constatamos que recuaram quase 12%. Qualquer país que esteja crescendo estará importando mais, pois parte dos novos investimentos são máquinas, equipamentos e tecnologias de fora. Mas no Brasil não. Aqui podemos importar menos, pois não está fazendo falta atualizar os insumos e ferramentas do crescimento.
Estamos bem normais. O ministro da Fazenda pode continuar suas férias em paz e tranquilidade. Os mercados aqui projetam crescimento inferior a 2% este ano. O suficiente para nos manter com a cabeça fora d’água, sem afogar. Tudo dentro da mais perfeita normalidade.
Paulo Rabello de Castro, formado em Economia e Direito, Ph.D pela Universidade de Chicago, ex-Presidente do BNDES e do IBGE, fundador e sócio da RC Consultores. Fundador do Instituto Atlântico e da OSCIP Instituto Maria Stella. Fundou o Movimento Brasil Eficiente, que propõe uma simplificação da carga tributária e mais eficiência dos gastos públicos. É autor de mais de 10 livros, entre os quais O Mito do Governo Grátis, Rebeldia e Sonho e Lanterna na Proa.
O artigo acima não representa, necessariamente, a opinião do Atlântico.