“Perante a mesa de café da manhã, na casa de Cláudio, os quatro amigos sentavam. Ele, Gonzaga, Alvarenga, Toledo… Alvarenga descrevia como imaginava a bandeira do novo país. ‘Um índio desatando as correntes’, ele disse, com um dizer latino. Aut libertas, aut nihil. Ou liberdade, ou nada. Ou então, o verso de Virgílio: Libertas quae sera tamen. Liberdade, ainda que tardia. Tiradentes tinha outra proposta. ‘Como Portugal tinha nas suas armas as cinco chagas’, ele disse, ‘as da nova República deviam ter um triângulo, significando as três pontas da Santíssima Trindade’”.
A passagem é narrada por Pedro Doria em seu livro 1789, com base nos Autos da Devassa da Inconfidência Mineira. As conversas citadas ocorreram nas reuniões derradeiras dos inconfidentes no final de dezembro de 1788, na cidade de Vila Rica, atual Ouro Preto.
No final do século XVIII, a economia mineira começava a perder vigor, com o esgotamento do ciclo do ouro. O Quinto era o principal imposto cobrado pela Coroa Portuguesa, correspondente a 20% de todo o ouro encontrado em suas colônias, ou seja, 1/5 do metal extraído.
Portugal não arrecadava a meta estabelecida para o Quinto desde 1762. Para a Coroa, o contrabando, sonegação e a corrupção eram as principais causas da queda da arrecadação, e não a queda dos rendimentos das minas. O acordo entre os mineiros e a Coroa era liquidar o déficit de um ano no ano seguinte, com a cobrança de uma quantia de todos os homens livres, inclusive através do confisco dos bens. Era a chamada Derrama, que foi cobrada apenas em 1763/1764.
D. Luís da Cunha Pacheco e Meneses, o Visconde de Barbacena, foi nomeado governador de Minas Gerais em 1783, com a missão de investigar as medidas tomadas pelas autoridades anteriores para evitar os prejuízos para a Coroa e, se fosse possível, realizar a Derrama.
Os líderes da Inconfidência Mineira estavam endividados com o Real Erário, tendo sido esta a motivação para a revolta. A eclosão do movimento estava agendada justamente para o dia em que se esperava o anúncio da Derrama.
Novos ventos sopravam no mundo, com a Revolução Francesa e a Independência Americana. Talvez, por este motivo, as penas dos inconfidentes tenham sido alteradas para degredo na África, exceto Tiradentes, o único a assumir a participação na conspiração.
A sentença dos inconfidentes saiu em 1792. Trinta anos depois, o Brasil tornou-se independente de Portugal.
Relembramos esta história, para refletir sobre os abusos na cobrança de impostos. A economia mineira não ia bem naquela época – como a economia brasileira atualmente – mesmo assim, as autoridades queriam extrair ainda mais recursos do setor produtivo.
Embora o movimento dos inconfidentes não tenha obtido sucesso, tornou-se símbolo de resistência ao autoritarismo do Estado. Que possa servir de inspiração para lutarmos contra o manicômio tributário instalado no Brasil de hoje, responsável por sufocar a atividade econômica, causando atraso e estagnação.
Magnífico texto que honra o trabalho de três décadas do Atlântico na defesa da Cidadania
Excelente vislumbre!
Texto de grande valor atual, com avaliação histórica objetiva: muito própria das colocações do Castro.