Gostei do Século

Gostei do Século

 

Jackson Vasconcelos

Márcio Moreira Alves, jornalista, deputado federal, foi alguém que, pela coragem ou ingenuidade, desafiou o poder militar no tempo em que fazer isso era considerado loucura. Ele faleceu em 2009 e deixou um legado de crônicas, as melhores publicadas com o título que tomei dele para o presente artigo, “Gostei do Século”. Certamente, Márcio foi mais feliz por ter partido antes de viver o que andamos vivendo no momento, nesse Brasil que só Deus é capaz de compreender e o Diabo de fazer uso.

Entre as crônicas há “Imprensa e Política”, que os movimentos presentes me estimularam a compartilhar alguns trechos com vocês. A crônica tem o dia 2 de abril de 1996 como data, algo que aconteceu há 28 anos, portanto. Sem mais, vamos ao texto do Márcio:
“Um projeto de lei de imprensa se arrasta pelas comissões da Câmara há três anos. Prevê pesadas multas para quem divulgar notícias falsas, injúrias ou calúnias. Dormia, posto em sossego, quando surgiram as notícias de barganhas sobre a votação da reforma da Previdência (…). Uns apressadinhos logo propuseram conferir-lhe “urgência urgentíssima”, na tentativa de intimidar os meios de comunicação.

Não conseguiram nada, mas berraram…

As tentativas de cercear a imprensa são antigas quanto a própria liberdade de imprensa, surgida com a Independência. Algumas vezes foram bem-sucedidas, nos períodos ditatoriais.
A censura sempre encontrou resistências em jornais e jornalistas corajosos. No período militar, o Estado de São Paulo foi exemplar, publicando receitas de bolos e versos de Camões no lugar das notícias suprimidas. Não esteve sozinho na luta, mas faço o registro em homenagem ao seu diretor, Júlio Mesquita Neto, hoje em estado terminal. Ele pode dizer, como François Mitterrand: “Fiz o que pude”.

A nossa imprensa não é perfeita, longe disso. Muitas vezes é preconceituoso, comete erros, acolhe calúnias. No entanto, é hoje a melhor imprensa que jamais tivemos e, juntamente com a da Argentina, a melhor da América do Sul e uma das melhores do mundo (…).

Na minha opinião, o repórter é pago para informar o que os que estão nos postos de decisão pensam, o que pretendem fazer e, se tiver capacidade de análise e gosto pelo risco, para prever o que acontecerá. Quem é pago para ser a favor ou contra são os políticos e os que ocupam cargo de confiança no Executivo.

O nosso modelo de imprensa é norte-americano. Logo, as revistas nacionais e os grandes jornais tentam seguir a regra colocada por Adolph Ochs no credo do New York Times: “Publicar as notícias com imparcialidade, sem medo ou favoritismo, sem se deixar influenciar pelos partidos, seitas ou interesses em jogo. “O cabeçalho de seu jornal diz “Todas as notícias que merecem ser impressas.” É verdade que muitas vezes também seguimos o conselho que Frank Simons, dono do News York Tribune, dava aos seus repórteres: “Só há uma maneira de um jornalista olhar um político: de cima para baixo”.

No reverso da medalha, o presidente Lyndon Johnson disse, certa vez: “O fato de alguém ser repórter de jornal já indica que tem uma falha grave no seu caráter.”

Neste assunto, quem provavelmente tem razão é o Pat Oliphant, o mais célebre caricaturista dos EUA. Uma vez ele confessou que conhecia pouquíssimos políticos. Justificou: “Tenho medo de gostar deles”.

Prudente atitude. Já imaginaram o Paulo Caruso andando pelos corredores do Congresso? Seria churrasqueado na primeira esquina, ainda que, por falta de combustível, José Sarney tivesse de sacrificar os seus bigodes para acender o fogo.

A verdade é que a imprensa livre e políticos, gostem ou não uns dos outros, estão casados para sempre. Trabalham com a mesma matéria-prima e um não existe sem o outro. Como dizia Nelson Rockefeller, governador do estado de Nova York: “A política é a vida e o sangue da democracia. Chamar a política de suja é chamar de suja a democracia.”

Os grandes pensadores da Construção dos Estados Unidos, Thomas Jefferson e James Madison, em um comunicado da delegação da Virgínia ao Congresso, escreveram: “Devemos à imprensa, apesar de seus inúmeros abusos, todos os triunfos conseguidos pela razão e pela Humanidade contra o erro e a opressão.”

Dois séculos mais tarde, o presidente Kennedy declarou: “Mesmo que não gostemos; mesmo que desejamos que não fosse publicado; mesmo que desaprovemos, não há dúvidas de que não poderíamos governar em uma sociedade livre sem uma imprensa, muito, muito ativa.” Como veem, a herança da imprensa livre é grande demais para ser ameaçada por negociadores de favores políticos.

 

Jackson Vasconcelos

Jackson Vasconcelos é consultor, estrategista político e membro do ATLÂNTICO. Atua no mercado de campanhas eleitorais e gestão de mandatos desde 1982. Estudou Economia e Ciência Política na Faculdade Católica de Brasília. Em 1999, constituiu empresa para se dedicar totalmente às campanhas e participou do processo eleitoral em eleições majoritárias e proporcionais no Estado do Rio de Janeiro desde então. Conduziu também campanhas para presidente do Fluminense Football Club, entre outras instituições. É autor de “Que Raios de Eleição é Essa?”(2017) e “O Jogo dos Cartolas: Futebol e Gestão” (2015).

 

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O artigo acima não representa, necessariamente, a opinião do Atlântico.