Direitos Absolutos e Interpretações Relativas

“A vida, a liberdade e a propriedade não existem porque os homens fizeram as leis. Ao contrário. Pelo fato de existirem a vida, a liberdade e a propriedade, é que os homens fizeram as leis” (Bastiat)

Recebi um Whatsapp com declarações do ministro Lewandowski, afirmando que “há limites para tudo, não há um direito absoluto, nem direito a vida, nem a liberdade, e muito menos a liberdade de expressão”, afirmação que me causou preocupação porque isso já tinha sido dito por alguns ministros do Supremo.

Fui consultar a Constituição e lá, no artigo quinto, continua expresso que “Todos são iguais perante a Lei, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, a liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, assegurando no inciso  IV a livre expressão do pensamento, vedado o anonimato.

Benjamin Constant, contrariando a posição de Russeau, de que o poder coletivo (Estado) é absoluto porque representa a “vontade geral”, afirma que o limite para o poder da autoridade são os direitos individuais, na linha de Bastiat, para quem a Lei, no caso a lei maior que é a Constituição deriva do fato de os indivíduos cederam parte de seu poder para o coletivo para realizar, em seu nome, funções e tarefas que não podem ser executadas por cada indivíduo isoladamente. É evidente que essa renúncia não é total, mantendo seus direitos fundamentais.

O ministro já havia dito que a “imunidade parlamentar também não é absoluta”, ao contrário do que está expresso no artigo 53, o que mostra uma nova leitura da Constituição, ou, talvez, que a Carta Magna é relativa, sendo, a cada momento, interpretado de acordo com a “vontade geral” de cada ministro.

A questão que se coloca das afirmações do ministro, é a de que existe, se os direitos não são absolutos, deve haver um Poder Absoluto ao qual cabe decidir os limites, ou as hipóteses, em que esses direitos são válidos ou não.

Lembro-me de ter lido uma frase, cujo autor não recordo, de que “a liberdade de pensamento é absoluta, desde que não os expressemos publicamente”.

Como saber o que podemos ou não dizer ou escrever?

Se considerarmos o identitarismo, o politicamente correto e o arbítrio do STF, com suas decisões monocráticas que decidem, muitas vezes “a posteriori”, o que se pode ou não falar, fica muito difícil se manifestar.

O identitarismo levou à “lacração” de algumas palavras ou expressões, como “buraco negro”, “caixa preta” e mais umas quarenta palavras ou frases constantes no manual elaborado pelo TSE. Recentemente discutia-se no Supremo a exclusão na DNV do SUS de uma das mais lindas palavras de língua portuguesa pelo seu significado: mãe, porque poderia ferir a sensibilidade de algum grupo de gênero. Depois de várias sessões, chegaram a um consenso de que poderia ser mantida a designação mãe, mas com a possibilidade de ser substituída por “parturiente” na declaração de nascidos vivos a pedido.

Além dessa questão identitária, que tem levado à muitas punições o uso de certas expressões corriqueiras do dia a dia, temos também o “politicamente correto”. Essa tendência remete à “Novilíngua” de Orwell, em que as palavras adquirem o sentido que se quiser sem qualquer preocupação com seu sentido usual como tivemos há algum tempo com o uso de “terrorismo”,  sem qualquer preocupação com o sentido correto da palavra, o que permitia classificar os adversários como “terroristas” sem precisar explicar o porque da classificação e, no momento, com “golpe” que permite qualificar qualquer um como “golpista”, o mesmo valendo para racista, machista, etc, mesmo  que não se aplicaria se considerado o seu sentido original. O problema é que as palavras têm consequências, como afirma Orwell, pois levam aos pensamentos e às ações. Assim pode-se enquadrar muitos indivíduos em sansões, pela simples conceituação de suas ações na definição do “politicamente correto”.

Rui Barbosa dizia que a deterioração de um povo, raça ou nação, começa com a corrupção de sua própria língua.

O problema é que como o sentido das palavras muda ao sabor dos interesses, não se pode saber “a priori” o que é permitido ou não, falar ou escrever porque o significado das palavras deixa de ser absoluto e passa a ser relativo.

Se tudo é relativo, o que significa que nada é definido, isto leva ao que Dostoiesviki chamava da pior das censuras: a “autocensura”. Segundo ele, como você não tem regras claras do que é permitido ou proibido, os das ações ou manifestações, quem são os censores quais são as punições, quem são os são os fiscais, você passa a se auto policiar, ou, o que é mais comum, a se omitir. 

Confesso que, prestes a completar 88 anos, mais de 60 dos quais escrevendo com frequência, nunca havia me preocupado em dizer o que penso sobre qualquer assunto, sempre com respeito, começo a me preocupar com o clima de radicalização da sociedade, e com a falta de regras claras para poder expressar minhas opiniões. Isto porque a Constituição, as leis, regulamentos, usos e costumes que representam as Instituições, que são a base para a convivência social e para segurança jurídica, deixaram de ser absolutas.    

Continuarei, no entanto, a escrever, apenas com mais cautela quanto à forma, mas sem deixar de expressar minhas opiniões, lembrando de que Santo Agostinho dizia que “Enquanto houver vontade de lutar haverá esperança de vencer”. Que Deus me ajude e proteja o Brasil.

Marcel Domingos Solimeo

Marcel Solimeo é economista e consultor, é superintendente do IEGV/ACSP, desde 1963, e assessor político e econômico da Presidência da ACSP. Foi superintendente institucional da Associação, coeditor dos livros “O Plano Real Para ou Continua?” e “O Plano Real Acabou?”, autor do texto “A Vocação dos Municípios”, publicado no livro “O Município Moderno”, e de inúmeros artigos em jornais e revistas. Formou-se em Economia pela FEA/USP em 1963, e fez pós-graduação em Economia Pública pela mesma faculdade. Por mais de 20 anos, foi assessor econômico do Clube de Diretores Lojistas de SP e da Confederação Nacional de Diretores Lojistas. 

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