Ao iniciar o terceiro mandato presidencial, Lula terá o desafio de harmonizar as promessas de campanha com as contas públicas que já começam o ano no vermelho. Considerando os gastos comprometidos com o orçamento secreto, a execução destas promessas pode duplicar ou triplicar o déficit público previsto no Orçamento 2023.
O novo governo ainda será confrontado com as despesas públicas crescendo a um ritmo muito maior que as receitas, uma dificuldade presente desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Segundo Paulo Rabello de Castro, economista e fundador do ATLÂNTICO, será preciso conduzir uma revolução nas despesas, muito além de simples cortes, para mantê-las em um ritmo que possa ser absorvido pelos tributos nacionais.
Em entrevista ao programa “Poder Entrevista”, do portal Poder 360, o Paulo Rabello também defendeu a realização de uma reforma econômica para resolver o baixo crescimento potencial da economia brasileira, observado desde a crise no final do governo Dilma Roussef. “Como Lula, que é um presidente ligado ao conceito de crescimento, irá desatar esse nó da estagnação da produtividade e da relativa estagnação industrial brasileira? Para mim, este é o grande desafio que ele vai encontrar na área econômica”, sentenciou.
Teto de gastos
A manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600, com o acréscimo de R$ 150 por criança na família, deve elevar os gastos totais com o benefício para mais de R$ 70 bilhões/ano. A equipe de transição para o novo governo pretende deixar os gastos com o benefício fora do cálculo do teto de gastos. Para Paulo Rabello, esta é uma manobra esperta, um casuísmo. E isto é ruim para a questão fiscal, porque ao ser aprovada por meio de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), a regra do teto de gastos elevou o controle fiscal ao nível mais alto da legislação brasileira. Portanto, não poderia ser alvo de exceções, mesmo que motivadas por questões sociais.
Paulo Rabello criticou o indicador utilizado para reajustar o teto de gastos, que é a inflação do ano anterior. Na opinião do economista, o limite para o aumento dos gastos deveria ser estabelecido com base no crescimento real da economia, pois o reajuste apenas em função da inflação gera distorções. Por exemplo, se o PIB nominal cresce de um ano para o outro, apenas em decorrência da inflação – ou seja, não há crescimento real – o teto de gastos é aumentado, alimentando o processo inflacionário. Se o contrário acontece – a variação do PIB nominal reflete totalmente o crescimento real – o teto de gastos não é reajustado, cerceando a capacidade de investimento do governo. De fato, a regra atual do teto de gastos não ajudou a promover a austeridade em 2017, pois a inflação do ano anterior autorizou a expansão dos gastos públicos, mesmo não tendo ocorrido crescimento.
“Seria preferível que a regra do teto de gastos fosse alterada, não para a introdução de um casuísmo, mas para estabelecer um novo indexador baseado no PIB nominal. Poderia ser uma fração do crescimento do PIB nominal do ano anterior, por exemplo. Para sofisticar ainda mais, poderia ser dado um peso diferente para a contenção das despesas correntes versus as despesas de capital. Seria muito interessante para o governo Lula, ampliar as possibilidades de gastos direcionados para o aumento da produtividade da economia brasileira”, explica.
BNDES impulsionando investimentos
Paulo Rabello analisou o possível papel do BNDES no próximo governo, como impulsionador dos investimentos necessários para o país voltar a crescer. Avaliou que a política de devoluções antecipadas de recursos para o Tesouro Nacional desidratou o banco, minando sua capacidade de financiar novos projetos. Embora a capacidade técnica do BNDES se mantenha intacta, não será uma tarefa fácil reverter a situação.
O economista destacou que a concessão de crédito precisa ser mais efetiva e que uma das formas de alcançar isto é a ampliação do crédito para as pequenas e médias empresas. A ação seria um desafio para o banco, mas iria baratear e pulverizar o crédito, reduzindo o custo financeiro de produzir.
Crescimento em 2023
Questionado sobre a expectativa de crescimento da economia no próximo ano, Paulo Rabello avaliou que há grande disparidade entre as previsões do mercado. O cenário esperado não dependia de quem seria o novo presidente e, sim, do constrangimento fiscal, que poderia derrubar a demanda, ainda mais em um cenário de taxa de juros real alta (aproximadamente 8%).
O economista e a equipe da RC Consultores projetam um crescimento do PIB de 2%, que não chega a ser uma expectativa positiva, considerando que o crescimento do PIB Potencial está em torno de 1,5%.
Em sua opinião, o cenário externo difícil também demanda atenção nas projeções, pois a alta da taxa de juros americana e os conflitos bélicos podem impactar os valores das commodities. “O Brasil de hoje, pelo tipo de economia que tem, seja pela força do agronegócio, seja pelo potencial de retomada da indústria, se apresenta mais como solução para o mundo, do que como problema, inclusive na questão ambiental”, analisou.