Um relatório sobre as contas da União, preparado há 10 anos pelo TCU, denunciou a “ausência de metodologia oficial de apuração do resultado primário e a não instituição do Conselho de Gestão Fiscal (CGF)”. Segundo o documento, estas omissões prejudicam o acompanhamento e a avaliação da “política e a operacionalidade da gestão fiscal, com foco na eficiência e na transparência”.
O CGF é um colegiado previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), com a finalidade de harmonizar e coordenar as contas públicas da União e dos entes federativos, diminuindo a quantidade de interpretações conflitantes sobre os conceitos e as práticas adotadas. São divergências que prejudicam a eficácia da LRF e da Lei de Crimes Fiscais, além de dificultarem o controle das contas públicas pela sociedade civil.
A novela do CGF
A proposta de criação do CGF foi enviada à Câmara por Fernando Henrique Cardoso em 2000 (Projeto de Lei 3744/00), mesmo ano em que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) foi sancionada. O texto, porém, não avançou por falta de interesse do próprio Executivo. Passados 22 anos, o projeto ainda segue em tramitação no Congresso.
Segundo a proposta inicial, o CGF teria sede em Brasília, sendo integrado por representantes da União, estados, municípios e Distrito Federal. Os seus 14 membros titulares e 14 suplentes deveriam ter perfil técnico, conhecimento na área fiscal, mandato de dois anos e não seriam remunerados. A designação dos nomes seria feita pelo presidente da República, após indicação dos órgãos de origem.
A função primordial da comissão é padronizar as normas gerais de consolidação das contas públicas, como balanços contábeis e relatórios fiscais exigidos por lei. Para garantir a independência do CGF em relação aos governantes, o projeto determinava que os conselheiros e seus assessores teriam total acesso às informações relevantes do governo, relativas ao orçamento, finanças e contabilidade.
Tramitação no Congresso
Em 2014, o senador Paulo Bauer (PSDB-SC) apresentou o Projeto de Lei do Senado (PLS) 141, integrando a pauta da Agenda Brasil. A proposta ampliava as atribuições do conselho e viabilizava a instalação e o funcionamento do órgão, remetendo a composição do CGF à lei ordinária, de iniciativa do poder Executivo. O texto também aumentava as atribuições do órgão quanto à obrigação de normatizar e padronizar práticas contábeis aplicáveis ao setor público, inibindo a manobra dos governos conhecida como “contabilidade criativa”.
Outra atribuição específica do CGF estabelecida no projeto seria a avaliação da relação custo-benefício das políticas públicas, propiciando uma melhora na qualidade de gestão e a estimativa independente dos recursos orçamentários.
A proposta, já como Projeto de Lei Complementar (PLP) 210/15 do Senado, foi aprovada por unanimidade em dezembro de 2015 e seguiu para análise na Câmara. Entretanto, o projeto seguiu parado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ).
Em 2018, o deputado Hildo Rocha (MDB-MA) apresentou um texto substitutivo, alterando alguns pontos das versões aprovadas em outras comissões. O texto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
Já em 2020, o deputado Léo Moraes (Pode-RO) apresentou o Projeto de Lei Complementar (PLP) 220 – um apensado ao PLP 210/15. O projeto define a composição e a forma de funcionamento do Conselho de Gestão Fiscal (CGF), seguindo em tramitação na CCJC.
Controle do resultado primário
A meta de resultado primário foi estabelecida pela LRF com o objetivo de dar confiança à sociedade, garantindo que o governo iria gerar as condições necessárias para a estabilidade econômica. A LRF previu tanto a metodologia oficial para o cálculo do resultado primário como o CGF, que deveria acompanhar e avaliar a gestão fiscal. São mecanismos que deveriam gerar maior eficiência e transparência, impedindo mudanças metodológicas e transações atípicas. Ambos seguem sem aprovação.
“A atitude permanente de adiar e dificultar iniciativas benéficas para o efetivo controle das contas públicas revela o espúrio e lamentável caráter que prevalece no Congresso Nacional”, afirma Rafael Vecchiatti, presidente do ATLÂNTICO Instituto de Ação Cidadã. “Esse fato é mais um exemplo da premente necessidade de reformarmos a Lei Eleitoral, como parte de uma nova Constituição, para que os cidadãos tenham controle sobre seus representantes e sobre os partidos nos quais votaram. Sem a instituição do voto distrital, do coeficiente eleitoral verdadeiro, da fidelidade partidária, os cidadãos brasileiros jamais serão efetivamente representados nas casas legislativas do país”.