A economia brasileira virou a nova fronteira dos tratamentos estéticos. Na última semana não se falava de outra coisa em Brasília. O Planalto bateu o martelo para o próximo tratamento de recuperação facial do desemprego, usando o ácido hialurônico, tão conhecido no combate aos sinais de envelhecimento da face. É uma injeção para preencher vazios e levantar a pele, esticando o rosto e melhorando o visual. Faz bem ao ego político e nem é um tratamento tão caro assim.
O programa Renda Cidadã é um tratamento com ácido hialurônico para salvar a face de uma economia decaída pela falta de investimentos, baqueada pela pandemia do Covid-19 e desequilibrada pelo colesterol mau e triglicerídeos elevados do gasto público ineficiente e exorbitante. Somos um corpo debilitado e esgotado por erros grosseiros de comportamento alimentar e excesso de sedentarismo que, no entanto, busca reparação da autoestima e do ego numa esticada facial. Corremos o risco de quebrar a cara. Um programa como Renda Cidadã, suposto sucedâneo do Bolsa Família, que copiou e colou do original Bolsa Escola, é uma transferência de renda que só faz sentido, como política social, mediante a definição de um público-alvo. Não pode ser remédio permanente para a esclerose precoce da economia, manifesta quando os empresários não estão mais dispostos a investir e empregar, quando os governos não conseguem mais separar uma parte razoável da receita fiscal para investimentos na infraestrutura pública e quando os investidores externos perderam a paciência conosco.
Mas é isso mesmo que está para acontecer. O Renda Cidadã virou a trincheira do embelezamento artificial e perigoso de uma economia anêmica e depauperada. O Congresso quer passar um Orçamento em que deixa de pagar dívidas vencidas para poder gastar mais repuxando a cara da economia. O argumento até parece convincente. Na virada do ano passado, a força de trabalho brasileira, computada pelo IBGE, somava cerca de 106 milhões de pessoas, sendo delas cerca de 94,5 milhões empregadas (com ou sem carteira, ou por conta própria) e o restante desempregado (11,5 milhões) mas buscando emprego. Com a chegada de 2020, o primeiro trimestre pré-pandemia já foi ruim, com mais 2,3 milhões de desempregados. A economia não vinha bem, exceção feita ao agronegócio e alguns segmentos urbanos. Com a pandemia, instalou-se o desastre. Foram destruídos mais 10 milhões de postos de trabalho. Até julho (último dado disponível) aquelas 94,5 milhões de pessoas empregadas em dezembro encolheram para apenas 82 milhões. Um choque de desemprego que justificou plenamente o auxílio emergencial na pandemia.
Mas onde foram parar tantos desempregados? Eles não se somaram aos 11,5 milhões que já buscavam trabalho antes do Covid. O IBGE identificou uma novidade, reforçada desta vez pela quarentena e pela mesada do governo. Em vez de 24 milhões de desempregados (o que daria uma taxa de desemprego nacional de quase 23%) o IBGE só encontrou cerca de 13 milhões procurando trabalho. O resto se declarou “não buscando emprego na semana da pesquisa”, ou seja, querendo trabalhar mas não indo procurar emprego, até pela grande dificuldade de se encontrar uma vaga, no grande espectro de pessoas com pouca ou nenhuma qualificação. Com o recuo da pandemia e a abertura da economia, essas pessoas, antes acomodadas pelo auxílio, voltarão à busca por trabalho, declarando-se “desempregadas”. Será esse o momento de fritura política do governo, quando os números do desemprego oculto, de mais de 20% da força de trabalho, passarem a espelhar a verdadeira cara do desastre econômico. O governo teme esse confronto com o espelho da realidade.
Seria, então, o caso de o Orçamento da União de 2021 passar a mostrar um compromisso claro do governo com o emprego útil das pessoas, não com a extensão da mesada ao ócio forçado. Um programa de empregos, não de desemprego permanente. Para tanto, o corpo da economia precisa de um recondicionamento completo, disposto a cortar até 20% de gordura, e ganhando uns 10% de massa muscular, ou seja, cortar o gasto corrente no que for preciso, inclusive nas despesas ditas “obrigatórias”(por que não?). O investimento público em 2021 precisa dar um salto de 100%, fomentando mais de um milhão de empregos diretos e indiretos e induzindo o setor privado nacional e estrangeiro a chegarem junto. Frentes de trabalho para jovens podem ser organizadas. Apenas a atividade do Censo Demográfico empregará mais de 200 mil jovens em 2021, por alguns meses.
Absurdo o governo querer recorrer a mais injeções de ácido hialurônico na cara de uma economia que demanda estimulação dos sinais vitais do organismo, mudança de hábitos e recondicionamento físico integral. O presidente, que se diz atleta, não precisa de tutorial para compreender essa lição básica da Educação Física. O ácido hialurônico não vai ajudá-lo a se projetar como grande preparador físico do atual atleta desenformado chamado Brasil.
Por: Paulo Rabello é preparador econômico, escritor e membro do Atlântico
Artigo publicado em 05/10/2020 no jornal Estado de Minas