Folias Brasileiras

Quem trabalha mais no mundo? E quem trabalha melhor? Essas são questões cada vez mais prementes num planeta cuja população se aproxima de 9 bilhões de habitantes e diante de novidades tecnológicas que ameaçam abrir um fosso de desemprego em massa para os trabalhadores com menor flexibilidade às mudanças de perfil dos colaboradores nas empresas do futuro.

Flexibilidade e produtividade são palavras-chave nesse novo mundo das tecnologias evolutivas. O trabalhador típico do século passado, oriundo da revolução industrial que produziu as “linhas de produção” repetitivas nas fábricas é hoje um personagem em ocaso. As escalas de trabalho são mais flexíveis. Entretanto, o preenchimento de vagas depende da palavra crucial, que é produtividade. No Brasil, temos de modo difuso, produtividades estagnadas na maioria dos ramos industriais e de serviços. Apenas o agro desponta com produtividades ascendentes, o que explica por que os salários têm subido mais rápido no campo tecnificado do que no meio urbano, exceções à parte, que sempre existem, aqui e ali.

Eis que, nesse ambiente intensa e mundialmente competitivo, surgem no Congresso brasileiro iniciativas para valorizar a mão de obra nacional “por decreto”. A deputada Erika Hilton (Psol/SP) apresentou PEC -Proposta de Emenda à Constituição- em que propugna rebaixar de 44 para 32 horas o limite de horas semanais de trabalho, num regime que não mais admitirá trabalhadores empregados em até seis dias na semana (para um dia de descanso remunerado). Segundo Hilton, o trabalhador precisa de mais vivência familiar, de mais lazer e tempo para si. Então, a jornada semanal conhecida como 6×1 passará para 4×3 no máximo, vedadas horas extras habituais. Mas não ficou só nessa PEC da deputada do Psol. O Senador Cleitinho (Republicanos,MG) teve a mesma ideia, embora menos radical: propôs colocar o limite de trabalho na chamada “semana inglesa”, de 5 dias trabalhados por 2 de descanso. E apresentou outra PEC nesse sentido.

Todos nós, como trabalhadores, estamos de acordo em poder ganhar o mesmo para trabalhar menos, pois a proposta de ambos implica em manter os salários na mesma base mensal, mas ajustar para baixo o número de horas trabalhadas. Se formos perguntar quantos dias de Carnaval gostaríamos de ter, os mais carnavalescos talvez optem por seis meses de folia. Desta vez, porém, a bondade com chapéu alheio  passou do limite: propor remunerar mais o descanso do que o trabalho é uma folia brasileira!!

O professor José Pastore, emérito da USP e um dos criadores da EMBRAPA, que tantos benefícios já fez ao Brasil, nos alerta do alto da sua sapiência : “Essa ideia de obrigar as empresas a contratar um máximo de 4 dias na semana e apenas por 32 horas, além de não existir, desse jeito, em nenhum outro lugar, vai fazer do Brasil um país único, que passará a remunerar mais dias de descanso no ano do que dias de trabalho”. Mas como é possível isso, professor? Ele explica em recente artigo. O Brasil já é o campeão mundial de dias de férias (30) que se somam a abono de férias (mais 10 dias) e que se adicionam ao maior número de dias feriados no mundo! Quanta folga bacana.

Quando a conta do trabalho efetivo no Brasil é feita corretamente, a carga do nosso trabalhador fica muito abaixo do máximo legal, ou teórico, inscrito na Constituição. Lá está dito que as horas semanais de trabalho serão EM TESE de até 44, espalhadas em até seis dias de trabalho por um de descanso. Como na Bíblia Sagrada, até Deus deu uma relaxada no sétimo dia. Mas a PEC da deputada Hilton pretende congelar o trabalho em 32 horas semanais. Feitas as contas, em termos anuais, dos tais 3 dias de ócio por semana, descontando as férias, o abono e os feriados, chegamos às Folias Brasileiras: o brasileiro será o primeiro povo do planeta a descansar em 202 dias do ano contra 163 dias de trabalho.

Evidentemente equivocadas, as propostas de redução forçada de dias de trabalho, por via legal, sem considerar as limitações de baixa produtividade de cerca de metade da força de trabalho, é mais do que um tiro no pé do trabalhador. Será um tiro no peito da atividade produtiva, tanto no setor privado como nos segmentos de governo como saúde, educação e atendimento ao público. Será também uma catástrofe para as combalidas finanças da previdência social. E será a festa da justiça trabalhista pelo acúmulo de situações esdrúxulas de pessoas de mesma atividade e qualificação ganhando distintos níveis salariais.

Numa palavra, não é assim que se faz. A lei brasileira já fixa um limite superior para o trabalho semanal. Por NEGOCIAÇÃO, seja coletiva ou individual, a maioria dos setores no Brasil já operam com folgas adicionais pois a jornada efetiva (sem computar férias e feriados brasileiros) já é de 39 horas [ver o Quadro comparativo mundial] e já se situa confortavelmente próxima de outros países com produtividades até muito superiores à nossa. O Quadro mostra que o Brasil já se parece mais com um país de práticas europeias, embora com produtividade de nível sul-americano.

Mas por que, então, a folia das 32 horas semanais ou da versão amenizada da jornada 5×2? Digamos que os parlamentares sejam proponentes sérios dessa mudança. Digamos que estejam convencidos de que haverá mais empregos e haverá mais descanso e lazer familiar para todos. É apenas mais um sonho, uma folia, uma quimera mal formulada. Todas as projeções do mercado de trabalho futuro apontam os seguintes efeitos péssimos de uma redução forçada da jornada: 1) forte enxugamento de vagas no mercado de trabalho formal 2) redução do PIB setorial e do emprego formal (em horas trabalhadas totais) nos segmentos afetados 3) precarização do trabalho e alargamento do segmento de mão de obra informal, com redução geral do salário médio lá praticado 4) aumento da rotação de mão de obra, do seguro desemprego e forte redução das contribuições previdenciárias 5) aumento brutal dos litígios trabalhistas e, finalmente, o mais grave, 6) provável redução das horas de lazer pelos trabalhadores que adotarão dupla jornada de trabalho (sendo que as mulheres terão uma jornada adicional cuidando do lar).

Brincadeiras de Carnaval à parte, é tempo de o Congresso parar de legislar sem ouvir quem está com a barriga no balcão, que são os empresários e até os maiores interessados, os próprios trabalhadores. Falsas vantagens são um desacerto grave para a economia e implicam em novos custos de produção num país já atolado em burocracias, regulamentos inúteis e baixas produtividades. Em plena era da nova inteligência artificial, não podemos mais insistir em contrariar o bom senso natural. Quanto ao nosso Carnaval, melhor também deixar os dias de folia ficarem como são.

Paulo Rabello de Castro, formado em Economia e Direito, M.A. e Ph.D pela Universidade de Chicago, ex-Presidente do BNDES e do IBGE, fundador e sócio da RC Consultores. ​Fundador do Instituto Atlântico e da OSCIP Instituto Maria Stella. Fundou o Movimento Brasil Eficiente, que propõe uma simplificação da carga tributária e mais eficiência dos gastos públicos. É autor de mais de 10 livros, entre os quais O Mito do Governo Grátis, Rebeldia e Sonho e Lanterna na Proa.

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