Enquanto Seu Lobo Não Vem
Publicado originalmente no jornal Estado de Minas, em 26/03/2022.
Paulo Rabello de Castro
O lobo mau, na clássica história do Chapeuzinho Vermelho, é o ator principal de um relato aterrorizante com final feliz. Embora devoradas pelo lobo mau, a vovozinha e Chapeuzinho são “resgatadas” por um caçador, tornado cirurgião de última hora, que as retira intactas da barriga do cruel animal. No final, todos passam bem, inclusive o lobo mau, devidamente punido, mas “poupado”. A história termina com uma evasiva promessa da menina de jamais se desviar de sua rota para dar trela a estranhos.
O ano de 2022 será, para o nosso País, como a história, mais uma vez recontada, da Chapeuzinho e do lobo mau. Já entramos na floresta eleitoral de 2022 e não conseguimos enxergar nada; talvez apenas pegadas de lobo mau. Como a história é infantil e pode ser repetida, cansativas vezes, para crianças eternamente assustadas a cada relato, vamos nos distrair com a prometida chegada do lobo mau, sem cuja participação aterrorizante, a história não seria o sucesso permanente que é. Através dos anos, nos aterrorizamos com o próximo lobo mau. Sem inclinações partidárias, as pesquisas pré-eleitorais já nos reportam os principais lobos da matilha política: para os bolsonaristas, Lula é ele, o lobo malvado. Para os petistas e lulistas, a pele do lobo mau vai para Bolsonaro. Se alguma “via alternativa” vier a se firmar, carapuça também serve. O fato é que nunca tivemos uma oferta tão generosa de atores para essa posição-chave de lobo mau na nossa história política. Por isso mesmo, o clássico relato se torna tão pavoroso de novo, mesmo para os adultos que, no caso, somos nós, os eleitores chapeuzinhos-vermelhos, que passeamos pela floresta escura sem atender aos cuidados de nossa zelosa mãe (encarnada no papel, a história política do País, que deveria nos alertar e ensinar, mas com nenhum sucesso…).
Alguns sinais da economia, que não dá bola para relatos infantis, nos diz que é hora de investir no Brasil, que ficou barato, mas pode melhorar e encarecer mais adiante, ainda ao final deste ano. Isso explicaria o ótimo desempenho da nossa Bolsa nesse primeiro trimestre de 2022, apesar da sequência punitiva de juros – novamente os mais altos do planeta, descontada a inflação. Para os investidores externos, que têm muito saldo em dólares para aplicar e nenhum medo de lobo mau, o resultado da nossa história infantil não lhes faz, na prática dos retornos projetados, quase nenhuma diferença. Os estrangeiros já aprenderam duas ou três evidências sobre nossas crises políticas. Para começar, estão longe de serem para valer. Por vários motivos, que não cabem na seriedade das páginas deste grande jornal, os candidatos “viáveis” assim se tornam – eleitoralmente plausíveis – por estarem devidamente enquadrados pelos vários centrinhos e centrões, pelos titãs financeiros locais, pelos figurões regionais que darão palanque aos salvadores da vez. Por isso, numa grande simplificação, a bolsa brasileira se recupera enquanto, lá fora, o sinal é contrário. Mais um motivo para nosso Brasil, com lobos maus e tudo, se converter em “abrigo especulativo” para uma pequena fração do inquieto capital financeiro. Os capitais internacionais, com sua quase irritante esperteza racional, não estão nem aí para as barbas de Lula ou para o topetinho do Jair. Interessa o fato, reconhecido por quase todos – menos por nós mesmos – que o Brasil sempre muda para ficar igual, que aqui os privilegiados terão lugar garantido na próxima mesa, que não haverá movimentos bruscos em qualquer política de rendas e de vantagens, até porque o imenso pacto de tolerâncias recíprocas com os fartos pecados dos outros já está séria e silenciosamente alinhavado.
Agindo para valorizar os ativos domésticos e derrubar a cotação da moeda americana, os investidores externos, que só nesse trimestre já trouxeram quase 90 bilhões de dólares para o nosso mercado, fazem como o caçador, que “salva” Chapeuzinho e a vovozinha, ilesas, de dentro das entranhas do lobo mau. É mais um “resgate” impressionante que traz o dólar na direção de um maior equilíbrio de longo prazo, que faz a leitura correta de nossa ímpar posição brasileira no mercado de commodities, e que calcula a virtual impossibilidade política de qualquer dos candidatos, uma vez presidente eleito, trazer para o ministério da Fazenda ou Economia um nome desalinhado aos interesses do capital corporativo e financeiro, os daqui e os de fora. Não deixa de ser tedioso, mas reconfortante, saber que uma historiazinha de terror não nos trará um banho de sangue com requintes de canibalismo explícito, como já foi o caso, em passado remoto, quando nossos ancestrais devoravam religiosos e civis nas remotas praias do Brasil-Colônia.
Atualmente, o pacto geral de não-agressão das nossas “elites”, conjugado ao estado de submissão quase infantil de nossos chapeuzinhos, surge de novo, em pleno 2022, para aquietar nossas angústias de transformação real do velho País. O máximo que poderemos repetir, quando contarem as sofisticadas urnas eletrônicas, é gritar bem alto: “Conta de novo!”. Me refiro – claro – à recontagem da história de chapeuzinho, não aos votos apurados. Risos.
Paulo Rabello de Castro, formado em Economia e Direito, Ph.D pela Universidade de Chicago, ex-Presidente do BNDES e do IBGE, fundador e sócio da RC Consultores. Foi Presidente do Instituto Atlântico e fundador da OSCIP Instituto Maria Stella. Fundou o Movimento Brasil Eficiente que propõe uma simplificação da carga tributária e mais eficiência dos gastos público. É autor de mais de 10 livros, entre os quais O Mito do Governo Grátis, Rebeldia e Sonho e Lanterna na Proa.
O artigo acima não representa, necessariamente, a opinião do Atlântico.
Receba a NEWSLETTER do ATLÂNTICO