O cenário nacional

Leiam este excelente artigo do nosso diretor e conselheiro Marcel Solimeo. Sempre lúcido e oportuno, Marcel nos dá uma visão realista do cenário institucional do Brasil. Rafael Vecchiatti, presidente.

O cenário nacional

Marcel Solimeo

Completo em 11 de setembro, mais um ano na ACSP. Quando fiz 60 anos, escrevi que preferia falar do futuro, que me parecia bastante promissor, do que do presente.

Agora, ao contrário, me sito na obrigação de fazer um balanço desse ano que passou e, do presente, o que revela um cenário bastante preocupante, qualquer que seja o aspecto que se procure analisar. 

Uma preocupação que sempre tive, e que se mantém, é no tocante ao cenário institucional porque, a meu juízo, condiciona todos os demais.

Neste aspecto, sinto que estamos involuindo, porque nem executivo, nem o legislativo e nem o Judiciário parecem se preocupar com a Constituição, ou com leis, regras ou usos e costumes aceitos pela sociedade. Levistki & Ziblatt, em seu livro “Como morrem as democracias”, chamam a atenção que, “nas nações ocidentais, o fim da democracia não se dá por meio da violência, mas pela morte gradativa, mas sistemática, das instituições, nos vários níveis”.

O executivo continua avançando sobre as empresas estatais, ou privatizadas, como se fossem seu domínio para nomear seus partidários ou utilizar seus recursos para fins distintos de seus objetivos.

Procura ajustar as constas públicas pelo lado da receita, mas, quanto mais arrecada, mais gasta. Busca novos aumentos de impostos, analisando apenas o lado da arrecadação ou, como dizia Bastiat, “o que se vê”, mas não considera em sua análise “o que não se vê”, como se isso não tivesse qualquer impacto sobre a saúde financeira das empresas, ou reflexos sobre as atividades econômicas e os empregos.

Segundo fontes do Ministério da Fazenda, o governo prepara para depois das eleições, mais um “pacote” de medidas tributárias, sem que isso garanta que as finanças serão equilibradas, ou que a dívida será, pelo menos, estabilizada.

Corte, ou racionalização dos gastos, lembra a afirmação de Antônio Carlos Magalhães, de que “promessas só comprometem quem as ouve”, e não se percebe qualquer movimento na direção de um ajuste, apesar das promessas. 

Quando se discute o orçamento para 2025 fica clara que a definição do Barão de Itararé, de que “orçamento é uma conta que se faz para aplicar o dinheiro que já não temos” não é mera frase de efeito, e que “o problema do governo não é a falta de persistência, mas a persistência na falta”.

Tenho escrito mais de uma vez que o Brasil somente poderá se desenvolver econômica, política e socialmente se conseguir restabelecer um mínimo de consenso na sociedade. Não que se consiga unanimidade, mas a predominância de grupos que, mantidas as divergências, aceitem dialogar com os que pensam diferente, e tenham como denominador comum a democracia.

Acredito, porém, que essa conciliação somente será possível como o desarmamento dos espíritos, o que me parece impossível sem a colaboração do Judiciário que é onde ocorre o maior desrespeito às instituições, a começar por sua norma máxima, que é a Constituição.

As medidas arbitrárias e desproporcionais que vem sendo adotadas de forma monocrática contra a liberdade de expressão, lembra a advertência de Dostoiévski sobre a maior de todas as censuras. A “autocensura” (Dostoiévski, quando jovem, participava do “Círculo Petyrashevski” um grupo de intelectuais socialistas que se reuniam para discutir política, mas que foi acusado de “conspirar” contra o Czar Nicolau I, que vivia aterrorizado com as possíveis repercussões na Rússia, das revoluções que aconteciam na Europa Ocidental, a partir da França. E decidiu prender e condenar à morte 15 jovens daquele grupo, embora soubesse que ele não oferecia nenhum perigo militar de golpe. No dia do fuzilamento, que chegou a ser preparado, o Czar substituiu a pena por trabalhos forçados na Sibéria.

Foi quando se estabeleceu na Rússia o que ele chamou de “pior censura” porque não tinha regras, não tinha penas definidas e nem quem vigiasse. Essa “pior censura” era a “autocensura”, em que a sociedade renuncia à sua liberdade de pensar e de se expressar, mesmo sem regras explícitas de proibição.)

De outro lado, a suspensão das indenizações dos “arrependidos” que fizeram delação premiada e se comprometeram a devolver parte do que desviaram, enfraquece não apenas a justiça, como a moral e a imagem do país. O Padre Vieira, em seu “Sermão do Bom Ladrão” dizia que “arrependimento sem devolução do foi tirado, não merece perdão”.

Esses fatos, sem qualquer manifestação de outros membros do Judiciário, e uma reação mais vigorosa da sociedade, impede que se possa restabelecer no país, a “SOCIEDADE DA CONFIANÇA” que segundo Alain Pereyfitte, “a confiança dos cidadãos uns nos outros e na capacidade das instituições de garantir os contratos e a confiança dos cidadãos no governo, e do governo nos cidadãos”. Isso garante, segundo destaca Meira Penna na apresentação, um clima favorável à Liberdade, Criatividade e Responsabilidade, que promove o desenvolvimento.

Ao contrário, a “sociedade da desconfiança” que estamos criando, é uma “sociedade temerosa, ganha-perde… onde a vida comum é um jogo cujo resultado é nulo, ou até negativo, propícia a lutas de classes, à inveja social, ao fechamento, à agressividade mútua”.

Com relação ao Legislativo, seus membros, eleitos pela população, deveriam ser o reflexo da vontade popular e os defensores dos cidadãos frente aos demais poderes, mas tem se preocupado mais em ampliar sua participação no orçamento, do que em equilibrar o peso dos outros dois poderes, quando eles extrapolam suas competências.

Às vezes funcionam para impedir aumentos de impostos, outras aprovam sem muito debate o que vem do governo, dependendo muito dos interesses de seus membros nos acertos com o executivo.

Como exemplo, aprovou, em tempo recorde, a Emenda Constitucional da Reforma Tributária, estando agora no Senado uma parte de sua regulamentação sem que, até agora, muitos parlamentares saibam o que votaram.

Será que todos sabem que aprovaram uma proposta que regulamenta o imposto de consumo com mudanças extremamente detalhadas até 2047 e, ainda, com uma “retenção” da receita dos estados e municípios até 2097, como se não houvesse mudanças na tecnologia, na economia e na sociedade ao longo desse período? Será que sabem que a cantada e decantada simplificação, se houver, será apenas depois de anos de transição com os dois sistemas, como risco de afetar não apenas o dia a dia das empresas, como os investimentos pela insegurança jurídica por cerca de uma década? Será que eles sabem que como ensinava Hayek, que em uma economia de mercado, os preços são os indicadores que norteiam as ações dos empresários e como complementava Von Mises, qualquer intervenção arbitrária no sistema de preços desorienta o mercado, e que as mudanças da reforma, transferência de parte da carga tributária da indústria para os serviços, a mudança da origem para o destino, a convivência de dois sistemas, vão desorganizar o sistema de preços, com mudanças profundas nos preços relativos?

Será que eles sabem que o setor Serviços, maior empregador da economia será o mais afetado pelas mudanças? Será que sabem que o SIMPLES pode ser inviabilizado pela reforma, que provocará maior concentração das empresas?  

Não sem razão, Gramsci definia como crise “quando o velho não morreu e o novo não pode nascer”, o que é exatamente o que ocorre com a RT durante a transição.

Será que sabem que estão aprovando Fundos que custarão mais de 200 bilhões ao Tesouro nos próximos anos, comprometendo os futuros governos? Tenho minhas dúvidas que a maioria conheça todos esses detalhes.

De 11 de setembro de 2013 até agora, foi um ano tão tumultuado, que parece que até a natureza se revoltou com o que está acontecendo. Tivemos enchentes e secas que afetaram praticamente todo território de uma forma ou de outra.

Agora é preciso que o Brasil adote as medidas corretas para a melhora do clima, mas sem ceder às pressões das ONGs que querem, a pretexto da defesa do meio ambiente, cercear o crescimento do país.  Também é preciso que ele se prepare para COP de Belém para se apresentar não como culpado pelos problemas, mas, sim, como solução, como grande fornecedor de “crédito de carbono”, para ser pago por isso.  

Com tudo isso, continuo a ter esperanças de que o Brasil poderá aproveitar as imensas oportunidades que se abrem com a mineração, o agronegócio e as novas fontes de energia.

Como dizia Santo Antônio “enquanto houver vontade de lutar, haverá esperança de vencer”, mas preciso completar com a oração de São Francisco. “Senhor, dai-me resignação para aceitar o que não possa ser mudado, coragem para mudar o que possa ser mudado e sabedoria para saber a diferença”.

 

Marcel Domingos Solimeo

Marcel Solimeo é economista e consultor, é superintendente do IEGV/ACSP, desde 1963, e assessor político e econômico da Presidência da ACSP. Foi superintendente institucional da Associação, coeditor dos livros “O Plano Real Para ou Continua?” e “O Plano Real Acabou?”, autor do texto “A Vocação dos Municípios”, publicado no livro “O Município Moderno”, e de inúmeros artigos em jornais e revistas. Formou-se em Economia pela FEA/USP em 1963, e fez pós-graduação em Economia Pública pela mesma faculdade. Por mais de 20 anos, foi assessor econômico do Clube de Diretores Lojistas de SP e da Confederação Nacional de Diretores Lojistas. 

 

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